Projeto "FORTES" Ventos I
Relatos de viagem
Projeto Fortes Ventos I
Idealizando Após comprar a primeira moto em 2004, com o objetivo de economizar combustível (CG 125 ano 1997), mesmo com sua baixa cilindrada, ensaiei algumas viagens com média de 300 km por dia. Um ano depois comprei outra moto e de maior cilindrada (Tornado 250 ano 2002). Com a Tornado realizei vários passeios e registrei por meio de fotos muitas paisagens e aventuras. A partir dessa época comecei a vislumbrar viagens maiores, iniciando a busca por informações, relatos e histórias de motociclistas mais experientes.Um dos relatos que me impressionou foi do até então por mim desconhecido, mas hoje um grande amigo, Ricardo Rauen, no qual tive a felicidade de alguns anos depois da leitura de seu relato, entrar em contato por e-mail e ter a impressionante surpresa de saber que ele estava morando em minha cidade. Rauen prontamente me atendeu e marcamos uma conversa na qual, me ajudou muito no roteiro e informações para as minhas futuras viagens. Também à alguns anos comprei pela internet o livro do Chardô de Porto
Alegre/RS. O livro também foi muito bem escrito e me motivou a comprar seu
segundo livro sobre sua viagem ao Ushuaia, só que dessa vez fiz o contato para
pegar o livro pessoalmente com o autor. Desde então, Chardô tem sido um grande
incentivador me auxiliando na definição de roteiros e dicas para minha viagem à
Patagônia. Também comprei os livros do Cícero e do Godoy de Florianópolis/SC,
pessoas muito receptivas e com uma vontade imensa de ajudar quem busca
embasamentos para a realização de grandes viagens.
Divulgando Não poderia começar esse relato sem destacar o grande apoio que tive da imprensa de Criciúma, Urussanga/SC e Porto Alegre/RS, pois por meio das matérias e entrevistas, consegui viabilizar os patrocínios e também compartilhar toda essa aventura.
Planejando Um dos momentos mais intensos de uma grande viagem é o planejamento, principalmente nos dias que antecedem a saída. Devido aos meus estudos por meio de leituras e encontros com motociclistas, tenho hoje a feliz conclusão de que a minha preparação foi um sucesso, pois foram raríssimas as situações em que durante a viagem, senti falta de algo, ou mesmo tenha percebido que acabei levando algo desnecessário. Inclusive dei muita sorte na compra do primeiro mapa, que mesmo sendo uma aquisição logo no início do projeto e sem maiores pretensões de ser o principal guia da viagem, acabei adquirindo o melhor dos mapas que encontrei.
No dia 24/12/08, saio de Criciúma em direção à Canoas/RS para passar as
festas de final de ano com minha família e sair oficialmente no dia 01/01/09.
Na ultima semana do ano, na qual fiquei em Canoas/RS alguns dias antes da saída oficial, aconteceu o nascimento do Arthur, filho do meu irmão Juliano Forte. O Juliano foi minha base de informações durante a viagem. O combinado era que eu ligasse sempre que possível para passar minha posição atual e em qual direção seguiria, pois optei por não levar telefone, até mesmo por que nos lugares mais desertos, o celular não pegaria mesmo. Caso não ligasse no intervalo de três dias, então eles poderiam começar a fazer contatos para me encontrar.
INÍCIO DA VIAGEM 1º DIA - 01/01/09 (quinta-feira)
De Canoas/RS (Brasil) à Tacuarembó (Uruguai) A conselho de outros motociclistas em seus relatos, resolvi usar o
Passaporte em toda a viagem, o que é claro surpreendeu muito o pessoal na
fronteira do Uruguai, mas que realmente foi algo que facilitou bastante minhas
entradas e saídas nos países que visitei. Uruguai Devido a atenção redobrada, não deixei de perceber que em outra língua, algumas placas podem ser bem divertidas para serem registradas e lembradas posteriormente.
Li em um relato que seria interessante não almoçar, evitando o sono
durante a viagem no período da tarde, procurando então deixar para fazer uma
refeição mais reforçada a noite. Durante a viagem percebi que não seria uma
idéia tão boa, pois caso acontecesse algum imprevisto durante o dia, não estaria
bem alimentado para resolver problemas, ou mesmo ficar sem hospedagem ou
refeição, principalmente em lugares de poucos recursos.
2º DIA - 02/01/09 (sexta-feira) De Tacuarembó (Uruguai) à Buenos Aires (Argentina)Diário 524 km - Geral 1198 km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 27,00 - Alimentação US$ 20,80 - Hospedagem US$ 31,60 Começo o dia às 7 horas, mas só consigo sair da cidade perto das 10 horas devido ao boletim ao vivo que deveria realizar para a rádio Som Maior de Criciúma/SC. Já na estrada encontro uma das cenas que hoje tenho como um dos mais lindos registros dessa viagem. Trata-se de extensas plantações de grassóis que para minha felicidade, estavam numa época perfeita para encher os olhos de quem passa por esse trecho no Uruguai. Ao chegar a fronteira entre Uruguai e Argentina na cidade de
Paynsandú, encontro um grande grupo de motociclistas, em sua maioria de
Florianópolis/SC e que também estavam se deslocando para assistir ao Rally
Dakar. Após passar a fronteira recebi o convite para entrar com eles
em Buenos Aires e também procurar hotéis juntos, já que alguns ainda não haviam
reservado hospedagem. Após percorremos o trajeto escoltados como celebridades, paramos em uma rótula onde havia um monumento no qual também se encontravam alguns competidores com suas lindas motos. Estávamos tão extasiados com aquela situação que foi difícil entender o que estava acontecendo e o que deveríamos fazer naquele momento. Ainda consegui reagir e registrar mais um pouco e conversar com os outros companheiros sobre a sensação indescritível que sentimos, porém em alguns instantes o mal-entendido esclarecido e o pessoal da organização se flagrou que não fazíamos parte de nenhuma equipe inscrita. Aí notamos que estávamos no monumento Obelisco, bem no centro das atenções do evento, onde os competidores se preparavam para receber as boas vindas no dia de apresentação da 1ª etapa do Rally Dakar na América do Sul.
3º DIA - 03/01/09 (Sábado) De Buenos Aires (Argentina) à Balneário Cochico em Guamini (Argentina)Diário km 719 - Geral km 1917 Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 25,70 - Alimentação US$ 23,75 - Hospedagem US$ 4,16 Ainda sem o dia amanhecer, conforme combinado com os pessoal do hotel, o telefone toca às 6 horas da manhã. Como a moto ficou em um estacionamento à parte do hotel, tenho que transportar boa parte das bagagens, pois tratava-se de um lugar desconhecido e optei por não arriscar em deixar a moto carregada. Sigo em qualquer direção procurando um posto para abastecer e no primeiro que encontro, vejo 3 motos equipadas com muita bagagem. Ao olhar com mais detalhes tenho a feliz surpresa de perceber que as placas eram de São Paulo - Brasil. Entusiasmado não perdi tempo e parti para o primeiro contato, sendo muito bem recepcionado. Depois de uma breve conversa chegamos a conclusão que estávamos com os mesmos objetivos naquele dia. Após confirmarem algumas informações sobre a rota que procuravam, sigo atrás dos motociclistas que naquele momento seriam os meus guias na viagem. Após alguns km, entramos em uma grande autopista e com uma visão que só de lembrar ainda sinto a mesma emoção, começaram a aparecer o comboio de incontáveis motos de competição seguindo no deslocamento para a primeira etapa do Rally Dakar. Naquele momento não conseguia acreditar que depois de tanta ansiedade eu estaria quase que por acaso no meio de todas aquelas belas e coloridas motos, que se misturavam no trânsito da grande Buenos Aires à caminho do primeiro momento oficial do Rally Dakar na América do Sul. Confesso que em muitos momentos me emocionei, tamanha a perplexidade com toda a grandeza daquele evento único e indescritível. Ou seja, mais uma uma vez eu estaria na hora certa e no lugar certo durante essa viagem.
A cada aproximação de uma nova cidade nesse trajeto de aproximadamente 80 km de deslocamento em asfalto, grandes aglomerações de pessoas nos canteiros e rótulas, faziam uma festa batendo palmas continuamente e vibrando a cada piloto que por ali passava. Dessa forma, como eram os primeiros momentos do Rally por essa região, tudo também era novidade para a população. Nós motociclistas que estávamos carregados com grandes volumes de bagagens, muitas vezes até chamávamos mais atenção que os próprios competidores. Estar ali presenciando aquele momento único, sem dúvida foi algo muito especial.
Em seguida os helicópteros que fazem a cobertura e monitoramento do Rally começaram a nos sobrevoar. Mesmo em movimento ainda consegui pegar a câmera e realizar mais alguns registros.
No vídeo abaixo, consegui fazer um breve registro enquanto eu acompanhava a equipe da KTM durante o deslocamento. Fica bem visível nas imagens a aproximação da população prestigiando a passagem dos veículos.
Volto a fazer contato com os motociclistas brasileiros que estão na
tentativa de descobrir como entrar para assistir uma das etapas da competição.
Nesse momento percebo a grande movimentação, tanto deles quanto de outros que
freneticamente estão em uma busca por informações e tentativas de entradas por
diversas trilhas que perecem estar proibidas e muito bem fiscalizadas pela
organização do evento. Então sigo viagem sozinho por mais alguns km e resolvo
entrar na cidade chamada San Carlos de Bolivar, com o intuito de abastecer e
almoçar. Realmente a indicação estava correta e logo em seguida entro no asfalto. Depois de alguns km e sentindo o forte calor que fazia naquela tarde, vejo uma estrada e ao longe uma grande nuvem de poeira. Desconfio que poderia estar perto da trilha e resolvo arriscar entrando naquele caminho. Com grande ansiedade chego a barreira militar responsável por aquele ponto de observação do Rally e já começo a ouvir o som da competição, que agora são das caminhonetes. Dessa forma não há mais o que fazer a não ser assistir a tão esperada passagem dos competidores. Pego a câmera e começo registrar mais um dos momentos mágicos desse dia tão intenso e que pode ser comprovado no vídeo abaixo onde as imagens dispensam as palavras.
Embora não tenha visto as motos na trilha da competição, já me sinto de alma lavada e resolvo sair daquele ponto de observação e enfrentar o calor intenso, agora em direção a cidade de Santa Rosa na Argentina, onde naquela noite seria a sede das equipes no Rally. Voltando ao asfalto encontro uma barreira policial impedindo a passagem, pois naquele ponto também haveria travessia dos competidores. Comecei a conversar com um policial que ficou muito empolgado em poder ajudar. Durante a conversa me surgiu a feliz idéia de não ir a Santa Rosa e dessa forma mudar o roteiro da viagem indo um pouco mais ao sul ao invés de seguir ao oeste do mapa. Sobre a feliz idéia, ela será comentada nos relatos dos próximos dias quando volto a encontrar os motociclistas paulistas que resolveram ir para Santa Rosa naquele dia, mesmo sem hospedagem garantida.
Retorno alguns km e volto a mesma cidade que almocei e abasteci para confirmar as informações e me preparar para seguir em direção a Guamini. No posto encontro um grupo de motociclistas também brasileiros que estavam meio atrapalhados em função de perder o contato com outros companheiros. Nestes vários momentos em que presenciei grupos de muitos motociclistas realizando a mesma viagem, é que reforçava as minhas conclusões sobre a prazerosa vantagem de viajar solo. O grupo praticamente não interagira com as pessoas do local (me incluo nesse meio) e isso demonstrou que muitas vezes acabamos ficando fechados em nosso grupo de amigos, o que não costuma acontecer quando se esta sozinho e as decisões tem que ser tomadas na maioria das vezes a partir das interações com as pessoas que encontramos. As vezes num simples aperto de mão, surgem as diferenças entre andar 100 km à mais para ver nada atrativo ou entrar numa estrada não inserida no planejamento, mas que te leva a lugares que nunca mais sairão de sua mente.
Chegando a Guamini, me sugerem um camping no Balneário de Cochico, onde falaram que haveria mais de 2.000 pessoas e muita música à noite. Nesse local teria uma pousada ou a opção de acampamento. Fui ao Balneário Cochico, mas não me agrado com a pousada. Mesmo assim resolvo ficar mais um pouco e fazer um lanche. Neste momento começo a perceber a formação de um dos cenários mais belos dessa viagem. Numa espécie de paralisia, não consegui e nem tinha motivos para sair daquela deslumbrante imagem no final da tarde. A decisão não poderia ser outra e em gratidão a esse dia maravilhoso que vivi, irei aprender a montar um acampamento!
Ao começar a tentativa de montar e estrear a barraca , não levou muitos minutos para que um casal que estava instalado bem próximo observasse minhas atrapalhadas e se candidatasse a ajudar ou por que não dizer, montar praticamente todo meu acampamento. É lamentável perdermos o contato com essas pessoas que fazem a diferença numa longa viagem, pois elas nos marcam e trazem sempre pensamentos muito bons sobre os seres humanos. 4º DIA - 04/01/09 (Domingo) De Guamini (Argentina) à Choele Choel (Argentina)Diário 531 km - Geral 2448 km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 49,50 - Alimentação US$ 13,34 - Hospedagem US$ 24,60 Enfrentando um dia de calor muito intenso, sigo ao sul de Guamini em direção a Bahía Blanca, para depois seguir a Sudoeste em direção a Neuquén(Argentina). Nesse mesmo dia um dos pilotos de moto do Rally Dakar desapareceu e alguns dias depois foi encontrado morto. Segundo informações encontradas na internet, ele morreu de edema pulmonar, que é causado por parada cardíaca e respiratória. Seu corpo não mostrava sinais de ferimentos ou desidratação. Nas fotos abaixo, a confirmação de estar realmente em uma região bem diferente das que até então havia presenciado em minhas viagens. Também o forte vento, unido a muito calor formavam tempestades de areia que dificultavam bastante a pilotagem.
Foi lamentável não chegar um pouco mais cedo para desfrutar do balneário em Chole Choel. Um banhista que se apresentou como Martin Ibañez, ficou muito entusiasmado com a aventura e comentou de seu sonho de também um dia percorrer grandes distâncias em uma moto. Após a viagem, ele manteve contato por e-mail enviando fotos de suas recentes aventuras de moto e em minha segunda viagem a Argentina voltei a encontrá-lo e incluí-lo nos relatos do Projeto FORTES Ventos II. 5º DIA - 05/01/09 (Segunda-feira) De Choele Choel (Argentina) à Neuquén (Argentina)Diário 250 km - Geral 2690 km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 9,4 - Alimentação US$ 27,50 - Hospedagem US$ 54,16 Manutenção(troca de óleo, lavação e elétrica) US$ 41,66 Nesse dia me programo para andar pouco. O Objetivo era chegar em Neuquén (capital da província) e fazer a primeira revisão na moto em uma oficina autorizada. Em alguns momentos, ao invés de me beliscar para ter certeza que essa viagem não era um sonho, procurava tirar fotos de tudo que pudesse comprovar que realmente estava na Patagônia. Felizmente estréio minhas ferramentas apenas ajudando um motociclista argentino. No primeiro momento que me deparei com essa imagem, fiquei impressionado.
Porém, no decorrer da viagem, foram inúmeras as vezes que cruzei por locais que
prestam homenagem a esse santo popular da cultura argentina, chamado Gauchito
Gil. Ao chegar em Neuquén encontro certa dificuldade para encontrar hotéis com um
preço acessível. Nesse dia também aproveito para procurar uma lavanderia,
acessar a internet e fazer a primeira troca de óleo em uma oficina autorizada. 6º DIA - 06/01/09 (Terça-feira) De Neuquén (Argentina) à Bariloche (Argentina)Diário 480 km - Geral 3170 km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 17,90 - Alimentação US$ 10,41 - Hospedagem US$ 14,58 Sigo em direção à Bariloche na Argentina, mas com o objetivo de passar pela cidade de El Chocón para conhecer o museu paleontológico que me chamou muito atenção nas pesquisas que fiz sobre a Patagônia, mas que pouco ouvi falar nos relatos de viagens de moto. Ao chegar na cidade tive a feliz surpresa de descobrir que o Rally
Dakar passaria à alguns km da cidade, sendo que a previsão era que as primeiras
motos do dia ainda levariam cerca de meia hora para passar naquele ponto. Ao
chegar no ponto de observação, ainda deu tempo de conversar com um entusiasta
motociclista Canadense, que à alguns meses estava viajando pela América do Sul.
Represa Ezequiel Ramos Mejía em El Chocón Argentina A localidade ficou conhecida como “O vale dos dinossauros”. Uma das
descobertas mais importantes da região foram os restos fósseis do maior
carnívoro do mundo, o Giganotosaurus Carolinii, encontrado em 1993 por Rubén
Carolini, um aficionado à paleontologia. Além disso, existem restos de
dinossauros menores, pegadas de três metros de comprimento e o bosque
petrificado, também encontrados por Carolini. Atualmente este patrimônio está
protegido por cientistas e pesquisadores, que realizaram obras de conservação e
reprodução de fósseis, muitos destes expostos no Museu Municipal Paleontológico
“Ernesto Bachmann”.
Seguindo viagem em um dia muito agradável depois de algumas retas
intermináveis, mais um momento único para minha 1ª grande viagem: a emoção de
avistar as primeiras montanhas nevadas da Cordilheira do Andes, que mesmo à muitos km de distância, já
impressionavam por sua imponência. Quando me aproximo de Bariloche, a paisagem unida a sensação ímpar
de estar pilotando uma moto, faz com que pense somente uma coisa: "Meus Deus eu
não mereço tanto, muito obrigado!" Chegando em Bariloche quase no início da noite, o frio assustava.
Me apressei em procurar uma hospedagem, pois já previa que seria muito difícil
nessa época do ano, além da expectativas de preços nada atrativos. Com muita
sorte, na segunda tentativa encontrei um senhor que hospedava em uma peça anexa
a sua casa pelo preço de US$ 15,00. Nessa mesma noite voltei a encontrar os paulista que me auxiliaram
a sair de Buenos Aires e encontrar os competidores do Dakar em seu deslocamento.
Rimos muito com a história deles no Rally, pois passaram bons bocados em Santa
Rosa Argentina, tendo enorme dificuldades em se hospedar sem reserva na cidade.
Um deles acabou se perdendo do grupo e teve de dormir no banco da praça da
cidade. Por incrível que pareça, até aquele momento ainda não haviam assistindo
de perto a uma eliminatória do Rally. Também não tiveram sorte para se hospedar
em Bariloche e conseguiram apenas um hotel de preço bem elevado. Acredito que me
"odiaram" quando contei da etapa do Rally em Chocón e de minha hospedagem em
Bariloche por US$ 15,00. 7º DIA - 07/01/09 (Quarta-feira) Em Bariloche (Argentina)Diário 130 km - Geral 3.300 km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 11,90 - Alimentação US$ 16,90 - Hospedagem US$ 14,58 Acordo cedo nessa manhã para fazer o famoso Circuito Chico.
Trata-se de um passeio de alguns km passando pelo Parque Nahuel Huapi. Como o
dia está muito ensolarado, o passeio tornou-se ainda mais bonito. Entre algumas opções encontradas no circuito, acabei escolhendo apenas pelo passeio e registro da paisagem. Estava pretendendo visitar os Cerros Campanário, Otto e Catedral, mas decidi subir de teleférico somente no Cerro Campanário, seguindo as recomendações de alguns amigos motociclistas que já passaram por ali, pois a visão panorâmica do alto desse Cerro supera todas as expectativas, o que realmente pude comprovar! Recomendo também saborear algumas das tortas encontradas na lanchonete no alto do Cerro, saboreando também a bela visão da região dos Lagos.
Vou até o Cerro Catedral pensando principalmente em ter meu primeiro contato com a neve. Opto por não subir, pois como é verão e haviam poucos pontos com neve, resolvi concluir esse objetivo em outros lugares ainda nessa viagem. Sigo a indicação do funcionário de um dos restaurantes próximo ao Cerro Catedral e sigo o passeio para outra região de Bariloche, onde encontra-se um lago e uma cachoeira. O lago que acredito ser chamado de Gutiérrez, é surpreendente devido ao degrade de sua transparência. Já a cachoeira, não surpreendeu. Esse foi um dos raros dias no estilo tradicional de turista
durante a viagem, pois aproveitei para caminhar pela cidade, procurar internet e
observar esse local tão cobiçado por tantas pessoas que gostariam de viajar pelo
mundo. A cidade é mais simples do que imaginava, mas o clima e os vários idiomas
ouvidos pelas ruas devido a enorme quantidade de mochileiros ali encontrados, me
fizeram ter a impressão de estar em um dos dias mais felizes da viagem. Nessa
tarde também tive ótimo e inusitado encontro com o Roberto Fleischmann de
Florianópolis, que me deu várias dicas para essa viagem. Me arrependi muito de
não ter visitado o Museu da Patagônia localizado em Bariloche, mas no decorrer
da viagem consegui resolver essa frustração.
8º DIA - 08/01/09 (Quinta-feira) De Bariloche (Argentina) à Junín de los Andes (Argentina)Diário 260 km - Geral 3.560 km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 12,50 - Alimentação US$ 24,50 - Hospedagem US$ 44,50 Logo ao acordar percebo um dia de sol maravilhoso e um frio considerável, o que para alguns dos adeptos de viagens de moto, torna-se ingredientes ideais para um belo dia de passeio. Ainda mesmo antes de sair da cidade de Bariloche, uma feliz surpresa, pois
como se tivéssemos combinado um horário de saída, encontro novamente meu amigo
Roberto Fleischmann que está de carro com sua esposa e acompanhado de mais alguns
amigos de moto. Após passar pela encantadora cidade de Villa la Angostura que chama
a atenção em sua rua principal com vários estabelecimentos comerciais destacando
muita madeira em suas construções, me separo do grupo do Roberto.
Durante o percurso encontrei um motociclista que estava em uma moto
Honda Tornado 250cc. Conversamos brevemente e me falou que era inglês, mas que
morava no nordeste do Brasil. Ele não estava equipado, pois andava de bermuda.
Além disso carregava uma prancha em um suporte ao lado da moto, muito semelhante
ao que alguns surfistas aqui da região sul de Santa Catarina costumam carregar
em suas motos.
Ao se aproximar da bela cidade de San Martín de Los Andes, percebe-se
descendo pela estrada à margem do lago Lacar, que trata-se de uma cidade com
forte turismo. Fiquei muito curioso em explorar mais desse
local que não estava em meu projeto. Busquei informações e
segui por estradas de terra, que de certa forma se
mostraram bastante estreitas e perigosas. Acabo então encontrando uma praia muito semelhante a que vi no centro da
cidade, também banhada pelo lago, onde me arrependi por ter ido tão longe ao
invés de ter passado a tarde no próprio centro e
evitado um desgaste desnecessário da moto pelas estradas não asfaltadas.
Margem do Rio Lacar
Acreditava cruzar a fronteira com o Chile ainda nesse dia, mas
optei por ficar na cidade de Junín de Los Andes. Muito cansado pelo dia intenso
e de imagens inesquecíveis, o final do dia tornou-se uma peregrinação para
conseguir hotel na cidade. Felizmente, um esforço que teve com uma de suas
recompensas a sensação
indescritível de ver pela primeira vez, mesmo que de longe, a imagem de um
vulcão.
9º DIA - 09/01/09 (Sexta-feira) Junín de los Andes (Argentina) à Pucón (Chile)Diário 260 km - Geral 3.560 km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 17,00 - Alimentação US$ 22,90 - Hospedagem US$ 14,50 Inicio esse dia com a imagem fantástica do vulcão Lanin me acompanhando por muitos quilômetros dessa manha de viagem. Tenho a impressão que a cada curva devo tirar uma foto, tamanha minha perplexidade e contemplação ao vê-lo de tão perto e em vários ângulos. Sem dúvida, uma cena que jamais imaginaria presenciar quando estudava geografia na escola ou mesmo assistindo matérias pela televisão.
Seguindo viagem, a estrada me leva à fronteira entre a Argentina e o Chile, onde justamente a aduana argentina é vizinha do Vulcão Lanin.
Sempre ficou muito tenso em duas situações nas viagens. Uma delas é a manutenção da moto, mesmo que em uma simples troca de óleo e a outra, nas fronteiras, onde por algum detalhe como a perda de algum papel, pode gerar grande transtorno. Felizmente os trâmites foram muito tranquilos e ainda conversei por algum tempo com um dos agentes que também era motociclista. Já no Chile, foi uma sensação muito boa ver pela primeira vez a placa indicando um novo país a ser visitado e tendo consciência de estar no outro extremo (oeste) da América do sul.
Sigo por uma estrada sem asfalto com o cuidado de quem esta entrando no desconhecido, pois para mim eram duas novidades: Cruzar a cordilheira (Paso Tromen o Mamuil Malal) e estrear nas estradas chilenas com o famoso e temido rípio.
Parei para um agradável lanche/almoço em uma lanchonete bem simples, mas com um riozinho ao lado. Após a refeição não hesitei em levar uma xicara de café para ser saboreado curtindo esse momento tão agradável junto à natureza.
Mais um momento surpreendente nessa viagem. Avistar pela primeira vez o imponente vulcão ativo Villarica, no qual pretendia escalar no outro dia.
Chegando a agradável cidade de Pucón, tratei de agilizar meu passeio no dia seguinte ao vulcão Villarica. Em seguida trato de aproveitar a tarde para conhecer Playa Blanca nas proximidades de Pucón. Lugar incrível onde a única coisa que vinha na minha cabeça era: Meu Deus, acho que eu não merecia tudo isso! De mais! Lá comecei a perceber algumas características do povo chileno. Muita educação e organização. Se você comprar um docinho de uma pessoa que está vendendo com uma cesta na rua, ela faz questão de pegar seu bloquinho de notas e te dar um recibo.
Outro lugar incrível foi a cachoeira Ojos del Caburgua. Com suas águas geladas e um azul degrade que enche olhos. Tenho a certeza que não consegui em nenhuma foto registrar a imensa beleza que presenciei nesse local.
Fiquei muito impressionado pelo fato de conseguirmos avistar o vulcão de diversos pontos da cidade e da estrada. Tentava imaginar como seria possível no outro dia pela manhã eu estar no seu topo, principalmente tratando-se de um vulcão ativo.
A região de Pucón sem dúvida alguma foi um dos lugares mais interessantes que já conheci e que não hesito em indicar à todos que estiverm planejando passar pela região.
10º DIA - 10/01/09 (Sábado) Pucón (Chile) à Valdívia (Chile) - Indo até a praia de Niebla na Costa do Oceano pacíficoDiário 251km - Geral 3.811km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 24,00 - Alimentação US$ 27,00 - Hospedagem US$ 20,80
Sem dúvida, uma das atividades mais aguardas dessa aventura e que tornou-se um dos momentos mais marcantes da minha vida: escalar o vulcão Villarica, esse que se mantém em atividade no Chile. Optei por uma empresa que inicia a escalada às 4 horas da madrugada, podendo avistar o nascer do sol no alto do vulcão e retornar às 13 horas. Pretendia também seguir viagem naquela tarde buscando no mesmo dia ver pela primeira vez o Oceano Pacífico e seu pôr do sol, pois ele acontece ao contrário do que vimos na costa brasileira do Oceano Atlântico, onde o sol nasce no Leste. As demais excursões sairiam às 7 horas e retornam às 16 horas. Ao falar para os monitores da excursão que eu pretendia fazer tudo aquilo no mesmo dia, me alertaram que não seria possível, pois o esforço físico na escalada é muito grande. Sugeriram-me então após a descida tirar à tarde para relaxar nas opções de águas termais na região. Porém, sem dúvida essa não seria uma das minhas opções dentro do meu estilo de viagem.
A ansiedade era enorme na noite anterior a escalada. Tentei jantar rápido e dormir cedo, mas não foi possível. Dormi um pouco e acordei no meio da madrugada para pegar a van da excursão e seguirmos de Pucón para a cidade de Villarica. Equipamento vestido, mochila pronta com todos os itens solicitados: água, chocolate, barras de cereais e óculos de sol. Iniciamos então a caminhada ainda à noite e em seguida ao avistarmos um teleférico questionamos por que não utilizá-lo, porém nos informaram que só é utilizado no inverno pelos esquiadores. Começo no mesmo passo do grupo, na maioria estrangeiros, porém depois de 40 minutos de caminhada montanha acima, percebo que não estava preparado fisicamente para essa jornada. Tento mais alguns minutos e percebo que não conseguiria realizar tamanha aventura. Quando vou falar isso ao monitor, ele gentilmente me responde com algumas palavras de incentivo: "que nada, vamos em frente, ainda faltam mais 4 horas de caminhada". Na foto abaixo dá pra ter uma noção da dimensão da caminhada e do ziguezague na parede de gelo. Essa pequena trilha de gelo foi a parte mais mais perigosa dessa aventura na subida do vulcão, na qual percebíamos a tensão nos monitores também. Sabe aquele pesadelo que te persegue durante toda sua vida? O meu era justamente com essa sensação de enfrentar uma subida perigosa, onde depois de um certo ponto bem ao alto, percebe-se estar sem opção de descer de forma segura, pois o retorno de costas fica bem mais complexo.
Com a passada muito lenta, percebia que aquele lugar era tão fascinante que mesmo eu tendo desistido nos primeiros minutos de caminhada, não conseguia parar de subir. Nunca irei esquecer as palavras dos monitores a cada vez que me distanciava do grupo e um deles voltava parame acompanhar e dizia: "El límite es tu mente" ou "Muito bien hombre!"
Depois de 5 horas de caminhada, chego ao cume do vulcão meia hora depois do grupo e quase na hora de retornar. A vontade era de sair pulando e gritando de alegria pela conclusão da escalada. Ver a cratera de um vulcão ativo, no qual no dia anterior parecia ser inimaginável chegar, era simplesmente surreal. Não tenho dúvida alguma que esse foi e será um dos lugares e momentos mais impressionantes de toda minha vida.
Recolhendo uma pequena recordação desse lugar incrível
Monitores que sobem quase todos os dias o vulcão
Descida escorregando nas trilhas de gelo, na qual eles costumam chamar de esqui-bunda
Retorno à cidade de Pucón por volta das 14 horas e decido dormir um pouco pra descansar, ainda na dúvida sobre a ideia de seguir para a Costa do Pacífico à pouco mais de 100 km, com o objetivo de ainda naquela tarde, presenciar o pôr do sol. Pra minha surpresa acordo aproximadamente uma hora depois e percebo que seria possível seguir viagem, já que o dia se mantém com claridade até mais tarde. Na cidade Valdívia, ao pedir informações fiquei até meio assustado, tamanha a vontade de um jovem tentar me ajudar indicando hotéis. Felizmente percebo depois que realmente era apenas a hospitalidade desse chileno à um turista com uma moto cheia de bagagens. Assim que consigo me instalar no hotel, trato de rapidamente seguir para o balneário de Nuebla para finalmente encontrar o Oceano Pacífico.
É indescritível chegar à lugares que são algumas das principais referências no seu projeto de viagem. Chegando pela primeira vez ao outro lado do continente, no Oceano Pacífico, vou refletindo e aos poucos me dando conta da dimensão dessa minha primeira aventura em viagem solo de moto. A emoção de perceber o quanto estava longe de casa, se mistura com a preocupação de estar naquele momento em um local onde ninguém mais sabia onde eu me encontrava naquele momento.
Um dia pra não ser esquecido. De manhã: Sol nascendo na subida do vulcão Villarica, à tarde: Pôr do sol no Oceano Pacífico.
Neste final de tarde fiquei registrando cada minuto desse primeiro momento de ver o sol sumir no Oceano pacífico.
Banhistas diferentes visitando Niebla (bois ou vacas)
Nessa cidade com cara de vila de pescadores, acabei jantando e no caminho de volta percebi esta festa muito legal com danças e músicas típicas.
Finalizando a noite observando a lua na janela que ficava praticamente no teto do quarto no hotel
11º DIA - 11/01/09 (Domingo) Valdívia (Chile) à Puerto Varas (Chile)Diário 411km - Geral 4.222km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 22,91 - Alimentação US$ 12,50 - Hospedagem US$ 31,00
Acordo nesse belo dia ensolarado de domingo, ainda extasiado com todos os acontecimentos do dia anterior. Aproveito então essa manhã para conhecer um pouco de Valdívia.
Hotel que fiquei hospedado
Foi lamentável não ter buscado mais informações dessa cidade que foi atingida por um terremoto e possui locais onde ainda podem ser observados os reflexos do ocorrido.
No final da manhã sigo em direção à Puerto Montt e fico encantado mais uma vez com os vulcões da região. Dessa vez Osorno e Calbuco, que parecem vizinhos conversando num domingo de sol. . Nessa placa uma Indicação estranha de programa...
Em Puerto Montt tento ver como funciona o transporte marítimo para seguir a viagem para Chaitén e iniciar o trecho da Carretera Austral, mas as informações estavam muito confusas. Então tive a feliz decisão de seguir a indicação do meu amigo motociclista Rauen e conhecer a cidade de Puerto Varas no Chile.
Uma das paisagens que mais me impressionaram na cidade, foi poder presenciar as pessoas se banhando em belos lagos, tendo ao fundo a imagem de imponentes vulcões.
Mesmo sem definir hotel pra essa noite, resolvo aproveitar cada instante desse final de dia para ganhar tempo e fazer um passeio por essa linda região. Vou até o parque onde fica os Saltos de Petrohué e acabo encontrando dois motociclistas chilenos, sendo que um deles o Germam, que acabou virando um amigo que voltei a encontrar em outras viagens que fiz.
Petrohue
Estrada que sobe serpenteando até a base do vulcão Osorno. É uma pena que a luz do final do dia dificultou a foto e ter a um melhor registro dessa bela estrada em meio as arvores.
Base do vulcão Osorno. A vontade é era ignorar as limitações para os veículos e seguir subindo até onde fosse possível antes do gelo.
Acredito que seja uma das fotos mais legais dessa viagem.
Vulcão Osorno 12º DIA - 12/01/09 (Segunda-feira) Puerto Varas (Chile) à Puerto Varas (Chile) - Indo a Ilha de ChiloéDiário 388km - Geral 4.610km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 33.30 - Alimentação US$ 16,60 - Hospedagem US$ 25,00
Reservo esse dia para conhecer a mística Ilha de Chiloé com a intenção de retornar no mesmo dia para Puerto Varas. Na saída. percebo que terei de encarar chuva pela primeira vez nesses 12 dias de viagem. A travessia para a ilha é feita de balsa e esse local me dispertava imensa curiosidade por se tratar de uma ilha do outro lado do nosso continente e um lugar que eu não tinha muitos relatos.Toda vez que estudava o mapa da região, estava aquele pedacinho de terra parecendo fazer um convite para descobri-lá. u s Chegando lá trato de pegar informações na Oficina de turismo, como costumam chamar e deixo a moto perto de uma viatura da policia onde um soldado gentilmente me atende. Sigo conhecendo a cidade naquele dia sombrio e me decepciono um pouco com o visual das famosas casas de palafitas na cidade de Castro.
Vou a uma agência de turismo perguntar sobre a travessia por mar até Chaitén e o dono da agência me dá duas dicas: Dar a volta por terra, pois o barco só sairia dali à alguns dias e a outra, quando fosse passar pela Carretera Austral, não deixar de conhecer Caleta Tortel, que fica quase ao final da Carretera e se destaca por ser uma cidade onde as casas são ligadas somente por passarelas de madeira. Quando conto ao dono da agência sobre meu trajeto de viagem percorrido até o momento, ele acaba carinhosamente me chamando de "papa-asfalto". Voltando ao centro da cidade, estaciono a moto novamente perto da viatura e percebo que agora outro soldado está em serviço. Quando me aproximo para pedir informação, simplesmente me dá a maior bronca, dizendo: "É pra pedir informação? Vai procurar a oficina de turismo!" Fico chocado com a atitude do policial, meio sem entender o motivo de tamanha aspereza. Saio dali meio chateado e vou até outro lado da rua visitar a famosa Catedral de madeira. Um dos principais atrativos turísticos da Ilha de Chiloé são justamente as várias igrejas construídas em madeira.
Meio sem clima para continuar conhecendo a ilha, opto por retornar ao continente. Pra piorar minha impressão da ilha, simplesmente não consigo arrancar a moto em um semáforo, pois cerca de cinco cachorros ficam em posição de ataque esperando que a moto partisse para me avançar. Quando abriu o sinal dou uma acelerada forte para fugir dos cachorros, mas justamente na outra esquina o sinal estava fechado novamente. Foi necessário então que um pedestre me ajudasse com os cachorros para que eu conseguisse partir com a moto. Naquele momento me senti como se tivesse sendo expulso da ilha. Felizmente antes de sair de Chiloé, paro em uma cidadezinha e encontro um casal de ciclistas que mesmo tendo que montar sua barraca em plena praça e com o tempo chuvoso, passavam uma alegria muito grande e satisfação por ter encontrado mais um viajante aventureiro. Esses rápidos encontro com pessoas como essas, nos revelam o quanto vale a pena estar na estrada.
Na estrada também encontramos outras pessoas que nem imaginam o quanto foram importantes durante nossas viagens, apenas pelo simples fato de nos atenderem bem nas hospedagens. Para elas poderia ser simplesmente mais um hóspede, mas para nós em viajem solo, com o seu carinho acabam propiciando acolhedores e tornando-se a nossa casa e família naquele dia.
13º DIA - 13/01/09 (Terça-feira) Puerto Varas (Chile) à El Bolson (Argentina)Diário 550km - Geral 5.160km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 27,50 - Alimentação US$ 12,5 - Hospedagem US$ 25,00
Saio de Puerto Varas com o tempo nublado, mas consigo impor um ritmo de viagem bem forte nesse dia. Sigo por uma estrada com bom asfalto e paisagem muito agradável em direção à cidade de Osorno. Logo em seguida pelo Paso Cardenal Samore sigo até a fronteira passando dessa vez do Chile para a Argentina.
Os trâmites na fronteira com o Chile foram tranquilos, porém dessa vez na fronteira com a Argentina, passei por uma situação extremamente chata que atrasou minha viagem em várias horas e quase me deixou sem combustível na estrada. Fui atendido por um jovem que começou a dizer que faltava um documento. Coloquei no balcão todos os papéis que eu havia recebido nas fronteiras e mesmo assim ele se manteve dizendo que não poderia fazer os tramites sem esse papel. Então pergunto a ele se devo voltar 30 km até a fronteira com o Chile para agilizar o que faltou. Ele sem me dar muita atenção, falou que eu deveria ir. Retornei a fronteira do Chile e os atendentes disseram que esse documento não era necessário se tratando de um brasileiro. Insisti então para que registrasse isso para que eu pudesse apresentar esse argumento na outra fronteira. Ele indignado com minha insistência, pega uma folhinha de rascunho que havia por ali, escreve algumas palavras e carimba em cima, praticamente me expulsando do balcão. Retorno mais 30 km até a Aduana da Argentina e já começo a ficar preocupado com uma possível falta de combustível. Voltando lá sou atendido por outra pessoa que simplesmente me fala que não precisava nada daquilo mesmo e que o jovem atendente era um novato no setor e não sabia que era um documento exigido apenas entre Argentina e Chile. O rapaz que estava no balcão ao lado me olha com uma cara desconsertada, só lhe restando pedir desculpas pelas horas que eu havia perdido naquela confusão desnecessária. Na charmosa Villa la Angostura.
Nesse dia consigo voltar a Bariloche e visitar o Museu da patagônia, pois na minha última passagem pela cidade acabei perdendo o horário de funcionamento.
Instrumentos musicais
É incrível a quantidade de mochileiros em Bariloche. Também foi muito divertido assistir a um deles dançando ao som de um grupo que tocava seus instrumentos na praça em uma bela tarde ensolarada.
A Bariloche que poucos conhecem
De Bariloche em direção à El Bolsón, é impressonante as novas cores cinzas que aparecem no altos de morros bem próximos a estrada.
Detalhe para o contraste entre o carro e a imensidão da montanha cinza.
Ao chegar em Él Bolson me impressiono também com a quantidade de mochileiros e dificuldade para conseguir hospedagem com um preço acessível. Porém foi uma cidade na qual fiquei com muito pesar por não ter chego um pouco mais cedo para apreciar o final de tarde. Percebi que estavam desmontando algumas bancas de comércio e uma banda guardava seus equipamentos em meio a um gramado onde muitas pessoas estavam sentadas. Provavelmente à pouco tempo atrás estavam curtindo um som, bem no estilo hippie anos 70. Por ali também havia um lago, com direito até a pedalinhos.
14º DIA - 14/01/09 (Quarta-feira) El Bolson (Argentina) à Esquel (Argentina)Diário 300km - Geral 5.460km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 9,00 - Alimentação US$ 8,00 - Hospedagem US$ 18,00
Ainda meio frustrado por não ter explorado um pouco mais da cidade, resolvo aproveitar uma parte da manhã para tentar ir a alguns lugares na redondeza.
Vou também a um parque com entrada paga, onde há uma estrutura montada para os visitantes chegarem até o local onde se consegue ver a imagem de um Índio esculpido pela natureza na rocha .
Placas que me chamaram atenção durante a viagem.
Tento ir à ao Parque Nacional Lago Puelo e mais uma vez encontro uma entrada paga. Acabo ficando aborrecido com tantas cobranças e como o dia estava nublado e frio, prefiro então então seguir viagem.
No caminho pego uma tempestade de assustar, com vento e frio de "bater o queixo". Sem ter onde se proteger, tive que seguir em frente com a visibilidade muito comprometida pela força da chuva. Chegando a Esquel, trato de agilizar a lavação de roupa e a 2ª troca de óleo da moto. Consigo uma oficina grande onde compro o filtro de óleo. Inexplicavelmente levo horas para realizar uma simples troca, pois além da qualidade ruim do filtro, também não conseguíamos vedar completamente a tampa do filtro no motor, deixando sempre um "fiozinho" de óleo escorrendo.
Grupo apresentando-se nas ruas de Esquel
15º DIA - 15/01/09 (Quinta-feira) Esquel (Argentina) à Villa Santa Lucía (Chile) - Indo à cidade de ChalténDiário 269km - Geral 5.729km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 25,50 - Alimentação US$ 14,00 - Hospedagem US$ 21,00
Chegou o grande dia de conhecer a famosa e temida Carretera Austral no Chile. Inicio este dia com a tensão da tumultuada troca de óleo do dia anterior, a expectativa de novo tramite de fronteira, agora da Argentina para o Chile, levando em conta que minha última fronteira foi com grande transtorno. Além da ansiedade para trafegar por esta estrada onde os abastecimentos e recursos são bem limitados. Paro na cidade de Trevelín para comprar água, pois é algo que nunca deve faltar na bagagem. Aproveito também para abastecer a moto e o único lugar que encontro é um galpão com combustível guardado em galões e com preço altíssimo. Aproveito também para acrescentar na bagagem uma carga extra com um recipiente contendo 5 litros para combustível reserva.
As fronteiras em lugares mais desabitados são bem mais tranquilas e agradáveis, pois os funcionários parecem fascinados pelas histórias dos aventureiros que por ali passam e também acabam nos dando dicas valiosas sobre a região. Entrando no Chile dessa vez pelo Paso Futaleufú, começo a presenciar a bela diferença da coloração das águas dos rios e riachos. O azul anil dos lagos da Região de Bariloche, agora é substituída por um azul turquesa que enchem os olhos com sua cor.
A estrada vai ficando cada vez mais linda e os picos nevados, cada vez mais próximos da estrada.
Algo que eu costumava fazer em Santa Catarina, era pegar a moto para rodar por estradas do interior, saindo frequentemente da rota a cada entrada que me parecesse interessante. Assim tentava descobrir algo novo e belo para observar. Neste momento me vejo fazendo o mesmo, porém a mais de 5.000 km de casa, sem ninguém saber que eu havia entrado ali, aumentando ainda mais o risco de uma viagem solo. Porém, esses são locais diferenciados que encontramos e que geralmente não estão nos relatos de viagens que costumamos ler.
Chegando a Villa Santa Lucia no Chile, finalmente encontro a Carretera Austral. A ansiedade de continuar o trajeto é grande, mas resolvo parar e almoçar neste restaurante muito simples.
Após o almoço sigo viagem em direção ao norte, sabendo que terei de rodar cerca de 80 km até onde a estrada termina e depois retornar a esse mesmo ponto que estou agora, para seguir ao sul da Carretera. O motivo? Ir até a cidade de Chaitén, onde há pouco tempo houve a erupção de um vulcão e há algumas semanas apenas a cidade foi liberada para a entrada de visitantes. Entrando na Carretera Austral em Villa Santa Lucia
Aos pouco vai caindo a ficha de estar rodando nessa estrada tão reverenciada por viajantes do mundo todo e as imagens que costumava a ver pela internet e livros começam a aparecer diante dos meus olhos.
Aos poucos também começo a visualizar pela primeira vez o gelo em um tom azul inacreditável.
Pontos estratégicos das forças armadas do Chile.
Dois cuidados constantes: O Terreno de difícil pilotagem e as caminhonetes cruzando em alta velocidade jogando pedras e diminuindo o espaço para trafegar com a moto
nesse momento percebo a aproximação da cidade de Chaitén pelo aumento da quantidade de cinzas do vulcão na estrada.
Impressionante a visão do vulcão Chaitén que continua em atividade muito próximo a cidade de mesmo nome.
Cidade quase abandonada e coberta pelas cinzas
Pela altura das cinzas nos brinquedos do parque, dá para ter uma noção da quantidade de cinzas e da situação de desolação que encontro por aqui.
Não se pode consumir a água local e nada que foi plantado na região. Embora a cidade esteja pouco habitada, encontrei um posto de combustível com o preço bem mais acessível que no meu último abastecimento em um galpão. A bandeira de "Eu Amo Chaitén" comove quem chega à cidade.
Curso do rio foi desviado pelo acumulo de cinza, destruindo ainda mais a cidade.
Retornando em direção ao sul, agora com a paisagem repetida e me adaptando rápido a pilotagem no rípio, começo a criar coragem acelerando cada vez mais forte. O excesso de confiança é tanto, que por vezes me vem à cabeça a inspiração dos dias em que pude presenciar as etapas do Rally Dakar.
Seguindo cada vez mais confiante em uma descida com curvas, me assusto percebendo que a parte traseira da moto fica praticamente sem estabilidade e quase sem controle. Como vinha muito concentrado em função da velocidade mais alta do que deveria, rapidamente consigo ter a percepção de não frear bruscamente, reduzindo as marchas com atenção. Pela necessidade do momento acabo descobrindo uma experiência de pilotagem que nem eu mesmo sabia que tinha, conseguindo finalmente parar com segurança a moto carregada. Felizmente meu anjo da guarda não descansa, pelo contrário, me chama atenção quando começo a abusar da sorte. Ao descer percebo o estrago. Um prego que entrou tão preciso, não dando tempo nem de ouvir aquele clássico som do pneu esvaziando. Essa era uma das situações que eu mais temia. Ter que consertar um pneu fora de uma borracharia e o pior, em plena Carretera Austral. Hora de decidir o que fazer em plena 7 h da tarde/noite. Analiso o mapa, a quilometragem que percorri e chego a conclusão que estou aproximadamente 2 quilômetros da cidade de Villa Santa Lucia onde almocei. Arrisco seguir empurrando com a moto ligada e felizmente concluo que estava certo nos meus cálculos. Saio a procurar uma borracharia e a única coisa que encontro foi uma mecânica misturada com borracharia de uma empresa de obras que estava trabalhando por ali. Peço ajuda e o senhor que me atende diz que ali não é uma borracharia. Eu vendo que ali era realmente uma borracharia e o cara não queria atender naquele horário, descubro algo eu não sabia nessa região. Os borracheiros não costumam desmontar as rodas das motos para consertar. Simplesmente querem que você desmonte tudo e dêem a eles apenas a câmera para o conserto. Sigo pela cidade tentando arrumar então uma hospedagem para aquela noite e solucionar o conserto do pneu no outro dia. Porém o único lugar que me indicam era uma espécie de pousada de um militar da cidade. Ao procurá-lo ele diz que não há vagas, algo que eu acho muito difícil naquela época e região. Então peço a ele para montar a barraca no pátio da casa, mas e ele se recusa também. A partir desse momento começo a ficar realmente preocupado. Consigo informação que ali perto alguém teria um compressor de ar para podermos consertar o pneu. Procuro essa pessoa que mesmo com a mão machucada, se dispõem a ajudar a consertarmos o pneu. Nesse momento também chega um ciclista para ajudar e começamos a conversar sobre suas aventuras de bicicleta pela Patagônia, comentando que ele chega a rodar 100 km por dia em estrada sem asfalto e muitas vezes dormindo em barracas. Iniciamos suspendendo a moto em um troco, mas a moto tomba feio pelo menos uma ou duas vezes. Nisso chega dois mochileiros com latas de cerveja na mão e oferecem ajuda. Um deles conta que também tem moto e aos poucos vamos consertando o pneu. Assim que finalizamos, ele coloca a mão no painel da moto pra pegar a chave dizendo que queria ligar para testar. Nesse momento me veio um frio na barriga e na mente apenas a possibilidade deles estarem ajudando para em seguida levar a moto. Pego rapidamente a chave da mão dele e o ciclista que chegou primeiro ao local começa a se afastar. O homem da casa percebe minha reação estranhando tudo aquilo e então se oferece para guardar a moto na casa. Os mochileiros vão tentando acalmar a situação e começam a se despedir também. Agradeço aos mochileiros pela ajuda e aos céus por não ter acontecido o inesperado. Converso mais um pouco com o homem que me ajudou e consigo negociar uma hospedagem em sua casa naquele dia. Ele resolveu dormir em outro lugar e me deixou sozinho trancado na casa. Durante a noite muito fria, uma tempestade com vento começa a fazer um barulho assustador e em pouco tempo as luzes da cidade se apagam completamente. A visão da janela do quarto naquela noite de apagão era algo para testar os mais FORTES.
Esse foi o desconhecido que fez a diferença em um dos momentos mais difíceis dessa aventura.
16º DIA - 16/01/09 (Sexta-feira) Villa Santa Lucía (Chile) à Puerto Aisen (Chile)Diário 344km - Geral 6.073km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 21,00 - Alimentação US$ 11,00 - Hospedagem US$ 21,00
Depois de uma noite assustadora de tempestade aos pés da Cordilheira dos Andes na Carretera Austral, sendo acordado várias vezes pelo barulho do vento batendo na casa simples de madeira, ao amanhecer, o dono da casa me chama no horário combinado. Percebendo o frio daquele dia nublado e vendo pela janela a chuva que não para de cair, resolvo aguardar até o final da manhã para tentar sair sem a chuva. Vou dormir novamente já preocupado com as condições da estrada nessas circunstâncias. Ao acordar fico meio confuso com o horário, olho a moto pela janela e vejo o inesperado: o pneu consertado no dia anterior está vazio novamente. Nesses momentos sempre vem ao pensamento aquela frase: "O que estou fazendo aqui?" Afinal de contas, tudo é maravilhoso enquanto as coisas vão bem. Então volto a falar com o dono da casa para tentarmos encher o pneu da moto, porém ele me lembra de que ainda estamos sem luz elétrica. Dessa vez vem aquela frase na cabeça: "Pra que eu inventei essa viagem?". São essas perguntas que fazemos quando ainda temos pouca ou nenhuma experiência em viagens de aventura, mas que aos poucos vamos percebendo que a maioria dos problemas são totalmente reversíveis, bastando apenas um pouco de calma para pensar e analisar a melhor maneira para resolver. Lembro então que carrego na bagagem a bomba de ar para encher pneus. Coloco a roupa de chuva, já que a casa não possui uma área coberta para colocar a moto e ao encher novamente o pneu, percebo que a câmera deve estar com um furo pequeno, possivelmente feito por nós mesmos pela inexperiência na hora de montar a roda. Moto carregada, sigo com chuva constante até a próxima cidade para tentar consertar novamente e seguir adiante.
Frequentemente se encontra animais em plena estrada e nas curvas há o trilho somente para um carro, deixando a pilotagem ainda mais perigosa.
Vou até a La Junta, cidade vizinha e um pouco maior, com mercado, restaurante, posto de combustível e borracharia. Percebo que o pneu não cedeu nenhuma libra e mesmo indo até a borracharia conferir, acabo decidindo seguir viagem assim mesmo. Algo que não foi correto, afinal de contas o pneu já havia esvaziado anteriormente e não havia motivo algum para se arriscar novamente em plena Carretera. A Carretera Austral General Augusto Pinochet foi construída durante o regime militar para permitir o desenvolvimento do extremo sul do Chile.
Quando saio do posto de combustível sou avisado que o próximo trecho estaria interditado para obras até às 14 horas, não restando alternativa a não ser esperar o desbloqueio.
Obras constantes no percurso.
Naquele momento em plena Cordilheira, começa vir a cabeça constantemente a imagem do meu pai em nossos passeios pelo bairro comigo na garupa. Fico pensando sobre a influência que tive ouvindo dezenas de vezes ele contando a história de suas viagens de bicicleta, na qual algumas vezes percorreu cerca de 150 km de Porto Alegre/RS até a comunidade de São José no interior de Cerro Grande do Sul/RS, subindo montanhas em uma bicicleta simples, sem marchas e levando mais de um dia nesse trajeto. Agora me dou conta de estar vivendo a minha história de aventura, por estradas também difíceis, mas com uma proporção e distância inimagináveis. Confesso que foi um momento de reflexão e de muita emoção.
Em minhas pesquisas pela internet vi a foto de um lugar que fiquei impressionado. Trata-se da imagem de uma cachoeira proveniente de uma geleira azul, que mais parecia cena de filme, cartão postal ou um lugar inatingível. Anoto o nome do lugar para durante a viagem ver a possibilidade de encontrá-lo. Encontro então a entrada do parque sinalizada por uma simples placa quase imperceptível. Então saio poucos quilômetros da rota principal e chego a portaria do parque, recebendo a informação que há várias trilhas com diferentes tempos de caminhada, mas também há um mirante próximo dali. Resolvo ir primeiro ao mirante e quando chego em uma clareira em meio às árvores, levo um choque ao dar de frente com a imagem que havia visto nas pesquisas. Fico frustrado pela minha máquina fotográfica muito simples não conseguir captar a grandeza e a beleza desse lugar que tenho como um dos mais bonitos que já visitei. Indico à todos que passarem pela Carretera Austral, não deixarem de visitar o Ventisquero Colgante no Parque Nacional de Queulat.
Nesse trecho tenho a noção de estar é uma região muito pouco habitada e bem diferente do que eu imaginava. Confesso que estar na primeira viagem solo em um lugar tão inóspito, me despertou naquele momento pela primeira vez, uma leve sensação de medo. Seguidamente lembrava e ficava tenso também, pelo fato de ter optado em prosseguir com uma câmera de ar furada.
Esse foi um dos trechos mais difíceis, subindo em ziguezague por uma estrada estreita e nesse dia com terreno molhado. Felizmente, embora as dificuldades desse dia, a cada bela paisagem encontrada, uma espécie de premiação era simbólicamente concedida.
Na estrada de rípio tenho a impressão que a moto flutua nas pedras e por estar com atenção redobrada, começo sentir o enorme cansaço de pilotar por tanto tempo nessas condições, além do frio e em alguns momentos com chuva.
À medida que o final de tarde se aproxima, o frio aumenta fazendo com que eu fique numa espécie de busca para alcançar os trechos da estrada onde há os raios e calor do sol pra esquentar, o que naquele momento alterava e aliviava muito o frio.
Já iniciando a noite resolvo ir à cidade de Puerto Aisen, ao invés de ir direto à Coihaique, pretendendo conhecer mais uma cidade nesse trajeto. Chegando ao hotel percebo que o pneu da moto agora esta com calibragem muito baixa. Então vou ao posto e encho o pneu com a esperança de manter assim até amanhã de manhã e seguir viagem para consertar e comprar mais algumas câmeras de ar em Coihaique. Foram poucos os momentos que vi atrações musicais durante a viagem, mas nesta cidade acabei encontrando um evento bem próximo ao hotel. Era uma grande festa em um clube com cantores cantando com playback.
17º DIA - 17/01/09 (Sábado) Puerto Aisen (Chile) à Puerto Murta (Chile)Diário 307km - Geral 6.380km Custos básicos em dólar (na época R$ 2,40) Combustível US$ 25,00 - Alimentação US$ 18,00 - Hospedagem US$ 11,00
Acordo bem cedo numa manhã muito fria, calibro mais uma vez o pneu e sigo em direção à Coihaique por uma estrada que destaca-se pelos túneis em meio as montanhas rochosas.
Demoro um pouco até conseguir a indicação certa de uma oficina e conto com a gentileza de um jovem motociclista chileno que se oferece para me levar até o local. No caminho mais uma vez temos que enfrentar os cachorros nas ruas tentando atacar as motos. Dessa vez, infelizmente acontecendo uma fatalidade com um dos cachorros, pois um deles acaba atropelado por um carro que vinha em sentido contrário. Como numa cena de filme, os outros cachorros ficam em volta do companheiro atropelado.
Oficina encontrada, embora muito bem atendido numa espécie de galpão grande com motos de diversas marcas, o conserto leva praticamente a manhã toda, pois após desmontar a roda, tiveram que levar a um borracheiro para consertar a câmera. Pedi também que conseguissem uma câmera nova para eu levar de reserva. Conseguiram apenas uma câmera da KTM que custou US$ 31,00, praticamente o dobro do preço normal.
Muito interessante o enorme tanque de uma das motos na foto acima. Abaixo, os motociclistas norte-americanos donos das motos, que estavam viajando há muitos meses e aguardavam o pedido de peças para consertar uma delas.
O dono da oficina com seus experientes mecânicos. Essa oficina em Coihaique me parece um posto de referência interessante para quem tiver problemas pela Carretera Austral. PESTANA Servicio Automotriz - Fco. Bilbao #457 - www.pestana.cl
No início da tarde sigo em direção à Cochrane. Acabo errando a saída de uma estrada e vou parar no aeroporto da cidade. Volto um pouco por um atalho que me leva a uma estrada de terra e mais uma vez tomo um susto com cachorros. Dessa vez ele estava na caçamba de uma caminhonete, solto, latindo e dando a entender que pularia a qualquer momento para atacar. A seguir alguns dos trechos mais tranquilos e belos da Carretera Austral.
Sempre que lia relatos de motociclistas citando essa lanchonete dentro de um ônibus, ficava muito curioso e com a vontade de um dia passar por esse lugar para conhecer.
Nesse trajeto consegui variar bastante a velocidade. Alguns lugares andando muito lento e em outros, com a terra compactada, andando bem rápido. Em alguns momentos, se fez necessário paradas obrigatórias para tirar o capacete e contemplar a imensidão daquela paisagem totalmente diferente do que eu já havia presenciado em minha vida. O silêncio era quebrado apenas pelo som da água em pequenos córregos as margens da estrada. O Cerro Castillho é um dos pontos de destaque nesse trecho.
Uma das coisas que mais me impressionou na Carretera, foi ver muito mais bicicletas do que motos.
Resolvo entrar na cidade de Puerto Murta, pois em meu mapa indicava um posto de combustível. Mais uma vez encontrei um ponto de abastecimento em um galpão com a gasolina muito cara guardada em latões. Peço para tirar uma foto do local, mas como já era de se imaginar, a pessoa que me atendeu não autorizou. Estou num final de tarde de sábado e ao perguntar ao dono do posto sobre seguir até Cochrane, ele me recomenda ficar por ali mesmo, pois ainda teria pelo menos umas três horas de viagem. Então resolvo ficar em uma pousada muito aconchegante onde há também um casal de ciclistas alemães. Nesta noite consigo ir dormir muito cedo, porém também começo a sentir um desconforto aparentemente na região da bexiga, me fazendo pensar em alguma associação com o frio que passei nesses últimos dias. A vista da janela do quarto parecia um quadro com uma paisagem emoldurada.
18º DIA - 18/01/09 (Domingo) Puerto Murta (Chile) à Cochrane (Chile) - Indo à Caleta TortelDiário 403km - Geral 6.783km
Foto da rústica pousada que fiquei na cidade de Puerto Murta na Carretera Austral.
Durante esse trecho começo a sentir uma dor muito desconfortável na região abdominal. Decido então descer da moto e caminhar um pouco para sair da posição constante de pilotagem. Após alguns minutos me movimentando fora da moto, sinto que a dor passa totalmente e sigo viagem. Mal sabia o que me aguardava nos dias seguintes...
Há uma preocupação muito grande com relação à possibilidade de instalações de represas nessa região da Patagônia Chilena, pois os moradores e a paisagem única desse lugar reverenciado por turistas do mundo todo, sofreriam mudanças drásticas.
Chego à Cochrane por volta do meio dia, tratando de almoçar e garantir uma pousada para a noite. Descarrego um pouco da bagagem e sigo com a moto apenas com o baú e ferramentas, com o objetivo ir até a cidade de Caleta Tortel à 130 km dali. Resolvi tirar parte da bagagem, pois teria que andar todo esse trajeto e na mesma tarde voltar até cidade de Cochrane, onde estava hospedado. Essa cidade me indicada por um dono de agência de turismo de Castro na Ilha de Chiloé, pelo fato de se tratar de um local onde as “ruas” são todas de passarelas feitas em madeira. Abasteço a moto e sigo por uma estrada muito estreita e difícil de trafegar, fazendo com que a velocidade fosse baixíssima, levando em torno de 3 horas para completar o 130 km do trajeto de ida. Começo a perceber o desgaste excessivo da moto naquela estrada, ao ouvir barulhos de peças soltas que até então não vinha percebendo.
Na Carretera é muito comum termos três trilhos para seguir, onde o mais confortável é seguir pelo trilho do meio onde a estrada está mais compactada, porém quando vemos um carro no sentido contrário, ou mesmo, ao tentar se antecipar a uma curva para não correr o risco de encontrar algum veículo que ainda não avistamos, passar pelas pedras de um trilho para o outro, torna-se sempre um desafio e convite ao tombo.
Ao se levar em conta 130 km em meio a uma viagem de 11.500 km, parece pouco. Porém, ao imaginar essa distância relacionando a quilometragem entre duas cidade conhecidas como Porto Alegre e Gramado/RS e trafegando pelo interior por estradas precárias de terra, dá pra se ter uma noção mais clara dessa aventura. Também impressiona o pouquíssimo trafego de veículos nessa região praticamente deserta, onde a natureza parece intocável.
A paisagem é linda mas não muito diferente da que vemos nos trechos anteriores. A não ser esse trecho em meio às árvores formando-se uma espécie de túnel verde.
No trecho que aparece logo atrás da moto, quase tive um acidente com um carro que vinha em sentido contrário, justamente numa curva onde haviam apenas dois trilhos para trafegar.
Chegando a Caleta Tortel já muito cansado das três horas de estradas de rípio de difícil pilotagem, não me animo a passear muito pela cidade, pois nesse caso não há alternativa a não ser caminhar pelas passarelas. Caminho uns 30 minutos e começo a me preocupar com as três horas de volta à Cochrane. Levo em conta principalmente que já é final de tarde e caso houvesse algum incidente, como o de um pneu furado por exemplo, teria de consertá-lo sozinho e a noite naquela região deserta.
O trajeto é longo e na medida em que vou seguindo, também vai escurecendo. Nas poucas casas que encontro no caminho, vejo essa cena de um grupo carneando um boi, bem à sua maneira em um gramado.
Chegando ao hotel depois de um dia rodando muitas horas somente no rípio, mesmo muito cansado, resolvo tirar um pouco da poeira que está na corrente da moto para poder lubrificá-la no outro dia de manhã. Inesperadamente a dona do hotel quer me cobrar pela água que estava usando. Percebi por essa atitude e pelo fato da água quente do chuveiro repentinamente esfriar depois de alguns minutos no banho, que água é algo muito valioso por lá. 19º DIA - 19/01/09 (Segunda-feira) Cochrane (Chile) à Perito Moreno (Argentina)Diário 277km - Geral 7.060km
Nesse dia acordo com a sensação que o trajeto da Carretera Astral havia sido superado com sucesso e com muitas lembranças para toda uma vida. Retorno alguns quilômetros da Carretera Austral para voltar à Argentina pelo Paso Jeínemeni, com a intenção de chegar a cidade de Comodoro Rivadavia no outro extremo da América do Sul (leste), na costa com o Oceano Atlântico. Sem dúvida, uma das estradas mais bonitas para trafegar visualizando por muito tempo o lago General Carrera no Chile, que depois passa a ser chamado no lado Argentino de Lago Buenos Aires.
Embora essa estrada nos convide para relaxar e contemplar tamanha beleza, também exige uma atenção muito grande, pois o trafego de veículos é maior, tornando-a muito perigosa pelo rípio e altura das ribanceiras. Também há o perigo de se chocar aos veículos quando somos surpreendidos ao encontrá-los nas curvas muito estreitas e sem uma pré visualização por conta do paredão de pedras ao lado da estrada. Devido as muitas pedras soltas, torna-se prudente trafegar em muitos trechos à cerca de 20 km/h.
Chegando a Chile Chico trato de almoçar e tentar fazer o câmbio de moeda. Comprovo nesse momento que andar com dólares facilita bem mais o câmbio, pois em caso de emergênciam, consegue-se trocar dólares nas agências bancárias. Aproveito também para tirar um pouco de pó da moto e liberar o combustível extra levado até aqui nos galões de reserva, transferindo para o tanque da moto.
Saio no meio da tarde em direção a fronteira e quando estaciono em frente à Aduana do Chile, ouço um barulho estranho na moto e logo percebo que o pneu traseiro começa esvaziar rapidamente com um prego visivelmente grande. Subo na moto rapidamente e tento chegar com o pneu ainda com ar até a cidade de Chile Chico que fica à 4 km dali. Porém, consigo andar só alguns metros e a traseira da moto já começa a balançar. Em mais uma tentativa de chegar rodando na cidade, subo no tanque da moto e sigo mais alguns metros até perceber que não adiantou nada, pois o peso das bagagens pressiona muito o pneu traseiro. Resolvo verificar como está a situação e vejo que a câmera saiu do pneu e se enrolou no cubo traseiro fazendo uma "maçaroca" praticamente impossível de ser revertida, a não ser pegando o canivete suíço que meu amigo Mauro Tautz emprestou e cortando a câmera para que possa se soltar da roda. Continuo então empurrando até aparecer alguma ajuda para transportar a moto, porém isso não acontece e acabo empurrando a moto por 4 km. Durante o trajeto apenas sou ajudado por um casal que percebeu minha jaqueta cair do banco da moto, onde havia colocado. Agradeci muito à eles, pois perder a jaqueta durante uma viagem pela Patagônia, seria um grande transtorno.
Mais uma vez no Chile, o borracheiro pede para eu desmontar a roda e entregar apenas a câmera de ar para ser consertada. Colocamos a moto entre o tripé e um tronco de madeira e percebo que desmontar a roda torna-se uma tarefa incomparavelmente mais fácil do que montar ela depois. O borracheiro finaliza o conserto do furo na câmera, mas pelo fato de estar com uma demanda muito grande de serviço naquele momento, pediu que esperasse um pouco para me ajudar a colocar a roda no lugar novamente. Espero por quase uma hora e então resolvo encarar esse desafio sozinho mesmo. Ao tentar encaixar o eixo traseiro e a pinça de freio, acabo encavalando de tal maneira, que fico com medo de forçar mais e quebrar a peça. Resolvo aguardar mais um pouco a ajuda, até que o filho do dono da oficina começa a me ajudar. Depois de algumas batidas com o martelo de borracha em uma chave de fenda, conseguimos retirar novamente o eixo traseiro e recomeçar o trabalho, agora a quatro mãos e alguns pés.
Moto pronta para pegar a estrada, sigo novaente para os tramites para passar do Chile para a Argentina. No caminho para a cidade de Perito Moreno na Argentina, me impressiono com a força do vento que chega a formar ondas no Lago que agora no lado argentino tem o nome de Buenos Aires.
Chegando à cidade de Perito Moreno na Argentina tenho muita dificuldade de arrumar hotel, tanto pela falta de disponibilidade, quanto pelos altos preços. Raramente faço isso durante as viagens, mas nessa noite acabo ficando em um quarto compartilhado com outros hóspedes europeus. Durante a noite volto a sentir o desconforto na região da bexiga, fazendo eu ir muitas vezes ao banheiro para urinar, mas já me preocupando pelo fato de não estar urinando muito.
20º DIA - 20/01/09 (Terça-feira) Perito Moreno (Argentina) à Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário 400km - Geral
7.460km
Acordo cedo pegando o asfalto no início da manhã com o vento lateral muito forte, a ponto de alguns carros ficarem atrás de mim para observar a batalha que eu travava tentando manter a moto na pista. Depois de alguns quilômetros o sentido da estrada acaba deixando o vento a favor e fazendo com que a moto de apenas 400 cilindradas e carregada, alcançasse velocidades incompatíveis a sua potência. Tenho dúvidas se esse fator não acarretou em problemas futuros no motor da moto. Percebo durante a viagem que a dor na região abdominal persiste aumentando o desconforto e vontade de ir ao banheiro para urinar.
Início a procura por mais uma câmera reserva, parando primeiro na cidade de Las Heras, mas sem sucesso. Acabo encontrando o organizador do evento na época intitulado como o moto encontro mais austral do mundo.
Ao me aproximar da cidade de Caleta Oliva, começo a perceber que se trata de uma região onde o petróleo se destaca. Lá também consigo comprar facilmente mais uma câmara de ar para a moto, dessa vez por um preço justo.
Em Caleta Oliva preciso tomar uma decisão importante na viagem. Ou sigo direto para o sul em direção ao Ushuaia, ou retorno 80 km ao Norte para fazer a revisão da moto na cidade de Comodoro Rivadavia. Acabo tomando a decisão de retornar um pouco e fazer a revisão, pois a próxima etapa mais ao sul seria um dos trechos mais desertos da viagem. Nesse trecho pego pela primeira vez o verdadeiro vento patagônico. Já havia lido em relatos que esse seria um dos trechos mais perigosos com relação ao vento, devido às montanhas que estão ao lado da estrada, fazendo com que os vãos entre elas, proporcionem rajadas de vento repentinas e muito fortes. Nesse dia com calor intenso, tive muita dificuldade com o vento, principalmente quando a direção era no sentido contrário da moto, fazendo com que a moto perdesse muita potência. Em determinado ponto percebi que um caminhão vinha colado atrás de mim devida a baixa velocidade que eu desenvolvia por conta da resistência do vento. Sentindo que aquela espécie de perseguição duraria muito tempo, opto por sair para o acostamento de pedras, o que me fez quase perder o controle da moto.
Agora voltando a avistar o Oceano Atlântico em nosso litoral leste da América do sul, chego em Comodoro Rivadavia e encontro facilmente a autorizada Honda que fica às margens da Ruta 3, principal rodovia dessa região. Subo a calçada para manobrar a moto e o inesperado acontece: simplesmente em frente à loja autorizada da Honda, o motor começa a apresentar uma batida forte e muito estranha. A primeira coisa que me vem a cabeça é sobre minha decisão certa de retornar para fazer essa revisão. Aguardo aproximadamente 2 horas na frente da loja até a abertura da oficina. Ao falar com o mecânico chamado Luiz, ele cogita a possibilidade de problema na corrente de comando ou regulagem de válvulas. Explica-me também que naquela tarde seria impossível iniciar o trabalho, pois já haviam vários consertos em andamento.
Sem alternativa, inicío a difícil procura por um hotel em Comodoro Rivadavia, onde muitas empresas acabam reservando as vagas dos quartos de solteiro para seus empregados em passagem pela cidade. Então me obrigo a ter que ficar com um quarto de casal que é bem mais caro. Ao chegar ao quarto, muito ruim por sinal, me deito para descansar, mas a dor abdominal começa a apertar, fazendo com que eu decida fazer contato com o seguro saúde que havia contratado para essa viagem. Ao ligar fui muito bem atendido, me encaminhando para uma consulta no dia seguinte no hospital da Associação Espanhola, aqui chamado de Sanatório. CONTRATAR UM SEGURO DE SAÚDE É UM DOS PROCEDIMENTOS IMPRESSINDÍVEIS EM UMA VIAGEM.
21º DIA - 21/01/09 (Quarta-feira) Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário 000km - Geral 7.460km
No início do dia vou ao hospital e sou atendido por um médico que dá o diagnóstico de infecção urinária, me receitando um antibiótico. Chego a cogitar a possibilidade de cálculo renal, pois já passei por essa situação anteriormente, porém ele mantém o diagnóstico.
Meio de transporte durante minha estadia e espera pelo conserto da moto em Comodoro Rivadavia. Aqui os motoristas também ficas responsáveis pela cobrança da passagem. Gosto muito quando vejo o nome "Patagônia" durante a viagem. É uma forma de me chamar a atenção e ter noção da dimensão da viagem que estou realizando.
Reconheço que minha religiosidade ficou muito adormecida ao chegar a vida adulta. Mal consigo recordar que adolescência havia demonstrado uma grande vontade de seguir a vocação sacerdotal. Hoje penso que não tenho conflito algum com Deus, mas sim com as religiões. Porém, definitivamente não tem jeito. Quando nos vimos encurralados e sozinhos, é inevitável recorrermos pedindo por uma proteção. A impressão que tenho nesses momentos de oração, independente da fé e no que se acredita, é de estar numa espécie de desabafo, conversando com quem mais conheçemos nessa vida: nós mesmos. Começo então a refletir sobre como agir em uma situação de impotência como essa, estando tão longe de casa, com dor e aguardando pela solução da moto. Depois de alguns minutos sentado no silêncio de uma igreja próximo ao hospital, tenho a impressão de naquele instante conseguir visualizar uma espécie de luz e com ela a sensação de alívio da dor, ajudando a criar coragem e serenidade para absorver os ensinamentos sobre tudo que estava acontecendo.
Foi um dia longo de espera. Enquanto passava a tarde aguardando o conserto da moto, fiquei caminhando por alguns lugares da cidade, entre eles essa capela as margens da Ruta 3, costeando também o Oceano Atlântico. Nesse lugar fiquei por algumas horas fazendo uma espécie de retrospectiva mental dos mais de vinte dias de viagem até aqui.
Conforme combinado no final da manhã, retornei a oficina para ter a resposta sobre as causas do problema com a moto, sendo informado que possivelmente seria apenas uma regulagem de válvulas. Então definimos para buscar a moto no final da tarde, com a esperança de seguir viagem no dia seguinte em direção ao Ushuaia. Fotos com a equipe mecânica da Honda de Comodoro Rivadavia. Pessoas que me atenderam muito bem e me auxiliaram em um dos momentos mais difíceis de todas as viagens que realizei. Um especial FORTE abraço ao Luiz chefe da equipe (uniforme vermelho).
Nesse dia precisei mais uma vez ficar em um hotel com quarto compartilhado, pois o preço da hospedagem estava inviável. Acabei dividindo o quarto com alguns artistas africanos que vendiam seus artesanatos pelas ruas da cidade. 22º DIA - 22/01/09 (Quinta-feira) Comodoro Rivadavia (Argentina) - Caleta Oliva (Argentina) - Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário
80km -
Geral 7.540km
No dia anterior procuro arrumar um local que eu pudesse ligar às 7 horas da manhã para a rádio Som Maior e fazer mais um boletim ao vivo sobre a viagem. Então conversando com o guarda de um supermercado, ele comenta que eu poderia ligar do telefone público que havia dentro do local. Ele comenta que o outro guarda que estará nesse horário, já morou na fronteira do Brasil e ficará muito contente em falar com um brasileiro. Acordo cedo e percebo que a moto ainda faz um barulho estranho ao ligar, mas resolvo partir mesmo assim. Vou ao mercado e ao falar com o guarda chamado Hugo, percebo sua felicidade ao encontrar alguém do Brasil. Inclusive insistiu muito para que eu fosse almoçar ou jantar em sua casa. Mesmo falando que já estava de partida, ele faz questão de deixar seu telefone para eu procurá-lo em outra oportunidade.
Sigo viagem com a esperança de agora chegar ao extremo sul do mundo. Após rodar aproximadamente 80 km chego à cidade de Caleta Oliva, porém quando paro na primeira sinaleira, tenho a grande decepção de voltar a ouvir o barulho no motor, demonstrando o mesmo problema ocorrido há dois dias, na chegada em Comodoro Rivadavia. Mais uma vez tento manter a calma, tomando a decisão de dessa vez fazer contato com a seguradora da moto no Brasil, solicitando que providenciasse um guincho para retornarmos à oficina da Honda em Comodoro Rivadavia (80 km). Ao procurar um posto telefônico, fui gentilmente atendido pelos funcionários, que me ajudaram muito ao oferecer o contato para a seguradora retornar a ligação. O retorno com a seguradora foi rápido pedindo então para que eu esperasse o guincho no posto onde a moto estava.
O retorno da seguradora foi muito ágil, em compensação o guincho levou pelo menos 4 horas para aparecer, chegando ao local às 3 horas da tarde. Posto e lanchonete onde aguardava o guincho.
Durante o caminho de volta a cidade de Comodoro Rivadavia, o motorista do guincho menciona a possibilidade da seguradora enviar a moto para o Brasil. Nesse momento começo a visualizar esse fato, levando em conta os custos que possivelmente teria para consertar a moto numa cidade com um custo de vida tão alto. Retornando a cidade, trato de deixar a moto na oficina e começar a fazer contato com a seguradora que acaba descartando a hipótese de transporte até o Brasil, pois o contrato prevê apenas 200 km de guincho. Faço contato com mais alguns amigos, entre eles o Robson Brigido e César Hess que ficaram de procurar mais informações sobre situações semelhantes, ou mesmo, a possibilidade de alguma transportadora. Vendo que teria de ficar mais um dia nessa cidade, lembrei de entrar em contato com o Hugo, o guarda do supermercado que havia me oferecido um jantar. Ao ligar, ele faz questão que eu vá à sua casa e que fique essa noite lá também. Resolvo voltar ao mercado para pegar o endereço do Hugo com seu colega e ficar aguardando o horário de ir ao jantar. No caminho começo a sentir novamente a dor abdominal e procuro tomar muita água com a esperança de que ao urinar essa dor passasse. Começo a andar mais rápido, pois a dor começa a ficar semelhante a que eu havia sentido em um trecho da Carretera Austral, dando a impressão de estar localizada a esquerda do abdômen e parecida com a que havia sentido há alguns anos, quando tive problemas de cálculo renal (pedra nos rins). Na vez anterior a dor foi aumentando gradativamente até chegar próximo ao insuportável e dessa vez não foi diferente. Apenas deu tempo de eu chegar no supermercado e pedir para que o guarda chamasse um taxi às pressas para me levar ao hospital e avisasse o amigo Hugo sobre minha desistência do jantar. Ao chegar ao hospital que havia consultado no dia anterior, a secretária não consegue entender muito bem a questão do seguro saúde que eu havia utilizado anteriormente e com uma cara de desconfiada, fica sem saber o que fazer. Mesmo assim vendo meu semblante de dor, me encaminha para uma consulta. Fico na fila, mas vou pelo menos umas três vezes até a secretária dizer que não estou suportando mais a dor. Justamente na última vez que levanto para falar com a secretária, a médica acaba chamando o meu nome e como não estava ali, entra outro paciente. Alguns minutos depois consigo entrar na sala e ao falar para médica sobre a viagem, ela me atende muito bem comentando que também viaja de moto com seu marido, mas que evitava, pois achava muito desconfortável andar na estrada. Porém, desconfortável mesmo era o que eu estava sentindo naquele momento, mal conseguindo prestar atenção de tanta dor. Comento com ela sobre minha consulta anterior onde o médico diagnosticou como infecção urinária, comentando também minha opinião sobre a possibilidade de pedra nos rins. Ela concorda com essa hipótese me encaminhando para uma maca onde iniciam a medicação para dor. Mesmo tomando mais de um litro de água, não consigo urinar e desesperado com a dor, começo a chamar os enfermeiros que dizem que o medicamento levará mais um tempo para fazer efeito. Fico preocupado também com um formigamento nas mãos e mais uma vez chamo o enfermeiro, pedindo a ele que confira a pressão. Ele pede para que eu procure relaxar, pois dessa forma facilitaria até mesmo a saída da pedra. A pior parte desse momento foi dar-se conta de estar naquela situação sozinho, sem ter avisado ninguém no Brasil e vulnerável a qualquer situação que pudesse acontecer ali. Dessa forma se o diagnóstico estivesse errado e algum problema mais grave ocorresse, eu não teria alguém para autorizar ou acompanhar alguma cirurgia, por exemplo. Então sem alternativa, tentei desligar do mundo e deixar na mão de Deus. Naquele momento fiquei olhando para o teto e concentrado para manter-me acordado. A única coisa que vinha à mente era ficar imaginando a pedra se movimentando. Passado alguns minutos sinto uma espécie de barulho no abdômen e ao ir ao banheiro consigo urinar, diminuindo sensivelmente a dor e dando uma sensação de alívio indescritível. Em seguida fizemos um exame de urina e mesmo sem a pedra ter saído, confirmam o diagnóstico de cálculo renal. Tentamos ver a possibilidade de eu ficar no hospital naquela noite, assim teria a garantia de ser acompanhado caso a dor voltasse e por incrível que pareça, pensei também na condição de ter uma hospedagem, pois procurar hotel em Comodoro Rivadavia, à noite e sem a moto, seria quase impossível. Porém não conseguiram fazer contato com o seguro saúde e apenas marcaram um ultrassom no dia seguinte. Saio do hospital e peço ajuda de um taxista para conseguir hospedagem. Após passarmos por muitos lugares, consigo ficar numa pousada indicada por ele, que nem nome tinha, me deixando muito apreensivo.
23º DIA - 23/01/09 (Sexta-feira) Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário 000km - Geral
7.540km
Depois de uma noite mal dormida pela adrenalina do ocorrido e ansiedade para acordar e ir ao hospital fazer os exames, saio cedo não vendo ninguém na pousada, mesmo tendo pedido para que o atendente me chamasse no horário combinado. Como já havia pago na entrada, vou embora sem falar com ninguém. Ao chegar ao hospital me pedem para ficar tomando apenas água e reter liquido durante às 3 horas que antecedem o ultrassom. Lá pelas 11 horas da manhã já não aguentava mais de dor, só que dessa vez por causa da bexiga cheia e isso que ainda restavam 40 minutos para o exame. Durante a manhã fiquei com meu caderno de anotações escrevendo muito sobre as reflexões de toda a viagem, o que acabava chamando a atenção de quem estava na sala de espera. Em outros momentos lia ou mesmo saia para caminhar e passar o tempo, durante as pelo menos 4 horas que permaneci naquele local. O exame comprovou que se tratava realmente de cálculo renal, encontrando uma pedra de aproximadamente 4 mm em um dos rins, fora a outra que possivelmente já estaria se movimentando para sair, porém não sendo possível vê-la naquele tipo de exame. Consegui falar por telefone com o Robson que confirmou não termos cobertura do seguro para enviar a moto ao Brasil e com o Cesar Hess que viu a possibilidade de transporte por cerca de US$ 1.000,00 Saindo dali fui até o supermercado dar um retorno ao Hugo que havia me convidado para jantar na noite passada. Ele com sua alegria contagiante insiste para que eu o aguarde até o final do seu turno às 14 h e assim ir comigo até a oficina. Na oficina me informam que teríamos que retificar a tampa de válvulas e que isso teria uma resposta definitiva da retificadora somente às 18 horas. Hugo não arreda o pé dali e começa a sondar o que eu gostaria de fazer. Então mais uma vez me convida para ir à sua casa para almoçar. Aceito seu convite preocupado em estar lhe causando algum transtorno, levando em conta que ele não estava indo para casa definitivamente para descansar, mas sim para trocar de roupa, pois teria outro trabalho à noite também. Ele mora numa casa simples alugada em cima de um morro, que no início me deixou um tanto preocupado, pelo fato de se tratar de um desconhecido. Porém chegando lá, me apresenta sua esposa, dois filhos e fala de mais um amigo que mora com a família. Depois do almoço, volta a me insistir para que eu fique por lá, o que me emociona muito, vendo que se trata de uma pessoa trabalhadora que abre sua casa e expõe sua família para ajudar um estranho que está passando por um momento muito difícil em uma viagem solo tão distante. Aceito o convite e peço para que façamos pelo menos um acerto financeiro, mas ele não aceita de jeito nenhum e só diz para que eu fique tranquilo e em paz, deixando as coisas se resolverem naturalmente. Fico muito impressionado com essa atitude do Hugo que me fez repensar muito sobre tantos valores importantes nessa vida e por muitos ignorados.. No final da tarde, seu amigo chega do trabalho e me leva para ouvir uma espécie de ensaio de carnaval argentino nas ruas do bairro.
Vista de um parque eólico em cima do morro onde Hugo mora.
Essa é casa do Hugo, o guarda de um supermercado na argentina que me conheceu durante alguns poucos minutos de conversa e me hospedou durante sete dos nove dias que permaneci na cidade de Comodoro Rivadavia, aguardando o conserto da moto e me recuperando da crise de pedras nos rins.
Vista do pôr do sol no Oceano Atlântico em todos os finais de tardes que fiquei na casa do Hugo, em um dos morros de Comodoro Rivadavia.
Observei que Comodoro Rivadavia é uma cidade de extremos sociais, pois há quem ganhe muito bem trabalhando nas empresas petroleiras, elevando o custo de vida que é altíssimo na cidade e dificultando a vida de quem trabalha em outras funções não ligadas ao petróleo. 24º DIA - 24/01/09 (Sábado) Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário 000km - Geral
7.540km
Pela manhã desse sábado resolvo ir a oficina buscar algumas roupas que estavam ainda nas malas da moto e recebo a notícia que será possível retificar a peça do motor, mas somente ficará pronta na quarta-feira. Volto para a casa e a dor na lateral do abdômen recomeça. Tomo um medicamento pra dor que levo na bagagem, indicado somente quando a dor for muito forte. Vendo que a dor não passa resolvo ir de taxi até a oficina novamente, para buscar o passaporte e mais dinheiro que estão guardados no baú a moto. Almoço e em seguida vou tentar dormir um pouco percebendo que a dor alivia, mas ao levantar para ir ao banheiro, recomeça forte novamente. Resolvo então retomar o contato com o seguro de saúde e eles pedem que eu retorne ao hospital do dia anterior. Vemos também a possibilidade de eu voltar de avião para o Brasil. Assim que chego ao hospital em seguida o Pablo, amigo do Hugo chega também, demonstrando a preocupação deles por mim e o incansável esforço em tentar ajudar de todas as maneiras. É nesses momentos que percebemos ter mais uma nova família nessa vida. Faço os exames já sem dor achando que naquele momento a pedra poderia já ter saido, mas nenhuma mudança é percebida no exame. Volto para casa do Hugo num sábado chuvoso, onde me aguardam com uma sopa. 25º DIA - 25/01/09 (Domingo) Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário 000km - Geral
7.540km
Acordei muito bem nesse dia já com a movimentação do Hugo para fazer um churrasco de domingo. Sem dor alguma penso até na possibilidade de seguir a viagem ao Ushuaia novamente. Foi uma manhã muito agradável, na qual conversamos bastante sobre os lugares que o Hugo passou e morou. Ele conta que me ajuda naquele momento por que também esteve em situação semelhante com sua família em uma viagem de carro e foi igualmente auxiliado por um desconhecido. Próximo ao almoço a dor inicia novamente, mas consigo aliviar com remédios mais leves. Hugo como sempre tenta me tranquilizar dizendo que de nada vai adiantar eu ficar preocupado ou estressado, pois o que mais preciso agora é relaxar e tudo irá se resolver.
Quarto que fiquei na casa desses eternos amigos argentinos.
Resolvo aproveitar à tarde para dar uma volta naquele bonito domingo de sol, ficando impressionado com o movimento no centro da cidade. Vou a um Conjunto Comercial e a uma praia, ficando estarrecido em ver o pessoal tomar banho naquela água aparentemente poluída tão próxima ao porto e área central da cidade. Aos poucos e com muito cuidado, vou informando o pessoal do Brasil sobre tudo que vem acontecendo, pois tenho noção que eles podem se apavorar com a situação, sem saberem exatamente o que está acontecendo comigo realmente. Vou também ao centro de informações turísticas e me informam alguns contatos para ver a possibilidade de a moto seguir viagem em transporte marítimo, caso eu volte de avião para o Brasil. Volto para casa do Hugo no final de tarde e fico sentado no muro da casa apreciando mais um pôr do sol e refletindo sobre todos os acontecimentos quais decisões tomar.
26º DIA - 26/01/09 (Segunda-feira) Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário 000km -
Geral 7.540km
Pela manhã vou até a Área Portuária para tentar falar com uma pessoa que poderia ver os trâmites para mandar a moto por transporte marítimo, porém concluímos que não é tão fácil como imaginávamos. À tarde tenho uma consulta com um Urologista que é médico especialista nesses casos de cálculo renal. Ele me encaminha para um exame de tomografia e dessa vez conseguimos ver uma pedra de 3 mm já na entrada da bexiga. Ele me diz que o ideal seria não seguir viagem de moto nessas condições. Exame em fim comprovando o cálculo renal ou pedra nos rins.
Volto à concessionária Honda e vemos a possibilidade de eu vender a moto a eles. Um possível comprador pede que eu volte amanhã para que tenha tempo de ver se realmente é possível, tendo em vista as questões burocráticas que envolvem um veículo de outro país. Também recebo a notícia que amanhã a moto estará pronta.
27º DIA - 27/01/09 (Terça-feira) Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário 000km - Geral
7.540km
Nesse dia recebi a notícia do plano de saúde, liberando meu retorno de avião para o Brasil. Porém tomei a decisão de voltar pilotando a moto, pois todos os contatos que havia feito tornaram ainda inviáveis mandar a moto separada para o Brasil. O problema em não acatar a ordem do médico sobre evitar andar de moto, seria também não ter mais a cobertura do seguro saúde. Uma decisão muito difícil, sabendo que os riscos existiam e voltar a sentir aquela dor na estrada durante a viagem de volta, seria algo horrível. Havia também a possibilidade de deixar a moto em algum lugar na cidade e voltar em outro momento para buscar, porém teria praticamente os mesmos gastos. Então mantive a decisão de retornar por terra mesmo e de moto, descartando a hipótese de ir ao Ushuaia dessa vez, devido às condições de saúde e insegurança com a moto. Ao retornar a concessionária para buscar a moto e ver a situação de uma possível venda, o pessoal fala que realmente não é tão fácil essa transação comercial, descartando então essa possibilidade. Pego a moto no final da tarde e dou algumas voltas para testá-la. Percebo que o barulho do motor ainda não está completamente resolvido. Volto à oficina e ele fala que não há problema e que poderia fazer outra regulagem de válvulas assim que chegasse ao Brasil. Aproveito também o final de tarde e vou ao supermercado agradecer aos amigos que me ajudaram nos dias em que estive por aqui.
Aproveito também para visitar um dos mirantes da cidade e ver mais um pôr do sol.
Nesse dia havia o aniversário do sobrinho do Hugo e a festa foi até tarde com muito do excelente churrasco argentino. Foi muito divertido ouvir o “Parabéns pra você" cantado em outro idioma: "Cumpleaños feliz".
28º DIA - 28/01/09 (Quarta-feira) Comodoro Rivadavia (Argentina) - Balneário de Rda Tilly (Argentina) - Comodoro Rivadavia (Argentina)Diário 124km - Geral 7.664km
Pego a moto para andar nas redondezas da cidade durante o dia todo e ter certeza que poderei seguir viagem com tranquilidade. Pela manhã aproveito para passar em uma transportadora e acabo descobrindo que naquela época a maneira mais em conta para transportar a moto, seria mandar por transportadora até Buenos Aires e dali arrumar outro transporte até a fronteira com Uruguaiana, onde poderia passar empurrando se fosse o caso. No Brasil teria de ver outro transporte ainda. Possivelmente em mais alguma situação de emergência, essa seria uma alternativa a ser estudada. Já com a ótima sensação de estar realmente no último dia naquela situação, faço um passeio muito agradável ao balneário de Rada Tilly, vizinho a cerca de 12 km de Comodoro Rivadavia, onde há um ponto de observação de lobos marinhos.
Vou até o Museu do Petróleo em Comodoro Rivadavia e fico deslumbrado com a história do início da exploração na região. Isso aconteceu quando tentaram perfurar o solo procurando água, porém o que jorrou foi petróleo. Na foto abaixo o número 2 indica a segunda perfuração, já com a intenção de explorar petróleo.
No final da tarde vou até outra oficina e peço que observem o barulho do motor. Os mecânicos dizem que seria necessária uma regulagem de válvulas. Volto à concessionária Honda e peço essa última regulagem que fica marcada para o outro dia de manhã. Deixo a moto para o retoque final e volto caminhando para casa. Na parede um mini tambor argentino, mais conhecido como bumbo leguero, que comprei na cidade para presentear os filhos do Hugo.
29º DIA - 29/01/09 (Quinta-feira) Comodoro Rivadavia (Argentina) à Trelew (Argentina) - Indo à Pinguinera Punta Tombo
Diário 502km - Geral 8.166km
Acordei cedo e tomei café com Hugo e sua família. Distribui alguns presentes que havia comprado a eles e nesse momento ele me fala que quando foi ajudado por um desconhecido durante uma viagem com sua família, coincidentemente assim como eu, também ficaram sete dias hospedados. Dessa forma, então ficou uma boa maneira de retribuir pela atitude daquele amigo. Por mais que eu tente agradecê-los, não me vinham palavras que descrevessem o quanto uma atitude como aquela ficaria marcada em minha vida. Vou buscar a moto, carrego as bagagens e me despeço de todos seguindo agora com muita calma e precaução em direção ao norte, para chegar ao Brasil depois de alguns dias de viagem. No caminho encontrei alguns motociclistas brasileiros que passaram por praticamente os mesmos lugares por onde passei, porém não viram quase nada. Nesse momento percebi o quanto fui cuidadoso ao aproveitar para conhecer cada detalhe do trajeto escolhido. Resolvo não deixar de conhecer a Pinguinera Punta Tombo, que ficava há alguns quilômetros à frente. Lá encontro dois motociclistas argentinos, um deles chamado Carlos Rivera, esse um motociclista muito deslumbrado pelo Brasil e que faz questão de tirar muitas fotos de nosso encontro.
O lugar é impressionante e vale cada quilômetro rodado para visitá-lo. A proximidade com os pinguins e a quantidade deles existente nesse lugar é surreal para nós brasileiros, que não temos contato com esses animais.
Na saída do parque os motociclistas argentinos me convidaram para seguir com eles em direção a Puerto Madryn. Aceito o convite e fazemos uma viagem em um final de tarde muito agradável. Durante o caminho mesmo levando 5 litros de gasolina extra, quase fico sem combustível.
Já a noite quando chegamos à cidade de Trelew, resolvo me despedir do grupo e ficar por ali mesmo para economizar com a hospedagem e quem sabe no dia seguinte visitar o famoso museu paleontológico da cidade. Os amigos motociclistas seguem para Puerto Madryn. O Carlos Rivera continuou mantendo contato por e-mails e acabou indo ao Brasil algumas vezes onde voltamos a conversar. Nos anos seguintes também fui à Argentina visitá-lo.
30º DIA - 30/01/09 (Sexta-feira) Trelew (Argentina) à Bahia Blanca (Argentina)Diário 811km - Geral
8.977km
Acordo muito cedo para ligar para rádio Som Maior Premium e depois de muitos dias sem conseguir me comunicar com a rádio, consigo falar ao vivo com o Adelor Lessa que parece impressionado com todas as histórias vividas nesses últimos dias. O público interagiu durante a entrevista e foi um momento muito interessante, compartilhando a viagem com todos que estavam acompanhando e preocupados com o que estava acontecendo. Tento ir ao Museu Paleontológico, mas acabo ficando preocupado com o horário da visita que poderia atrasar mais algumas horas da viagem. Também naquela época não consegui um lugar seguro próximo dali para deixar a moto carregada. Caminho de volta ao Brasil pela Ruta 3
Entro na cidade de Puerto Madryn e fico impressionado com a beleza do lugar e frustrado por não poder aproveitar um pouco mais o balneário.
Casal viajando por meses em ritmo muito tranquilo pelas estradas do sul do mundo.
Tempestade de areia durante o caminho até a cidade de Bahia Blanca na Argentina, onde pernoitei nesse 30º dia de viagem.
Poeira cobrindo o sol.
31º DIA - 31/01/09 (Sábado) Bahia Blanca (Argentina) à Maipú (Argentina)Diário 643km - Geral 9.620km
Placas muito motivadoras no caminho entre Bahia Blanca e Mar del Plata.
Preocupado com o pneu traseiro da moto, começo a entrar nas cidades nas quais o amigo Chardô em seus relatos, diz conseguir facilmente pneus para vender. O problema é que estava num sábado à tarde e isso se tornou-se uma tarefa bem complicada. Tentei primeiramente em Necochea, mas naquele horário só foi possível conseguir pneu em Mar Del Plata, aproveitando também para fazer a troca de óleo do motor. Na cidade fiquei impressionado com as grades de segurança que haviam na lojas de vendas de peças de moto. Queria ter passado pelo litoral entre as cidades de Miramar e Mar del Plata, pois várias pessoas relataram ser um belo lugar. Infelizmente acabei dando bobeira e deixando passar a entrada da cidade e seguindo direto para Mar del Plata. A cidade de Mar del Plata me impressionou muito pela grandeza, onde as avenidas chegam a ter quatro pistas em sentido único. A beleza do lugar me fez ficar com muita vontade de retornar para curtir com calma esse que é o principal balneário da Argentina.
Depois de andar um pouco pela cidade, peço informação de como seguir em direção a Buenos Aires. O trânsito da cidade é intenso e depois de alguns quilômetros consigo chegar na auto pista. Percebo que não vou conseguir avançar muito, pois começa a anoitecer. Resolvo então resolvo ficar na pequena cidade de Maipú.
O hotel era bem simples e em uma das idas ao banheiro tive a impressão de ter espelido o cálculo renal. Como era um banheiro coletivo, me faltou coragem de e sobrou prudência para verificar se realmente era a pedra que foi minha companheira por tanto tempo nessa viagem.
32º DIA - 01/02/09 (Domingo) Maipú (Argentina) à Tacuarembó (Uruguai)Diário 871km - Geral 10.491km
Sem dúvida alguma o hotel que fiquei na noite passada foi um dos piores de todas as minhas viagens. Pela manhã tenho realmente a impressão que a pedra que me fez sofrer tanto nos últimos dias poderia ter saído, pois a sensação era realmente de alívio. Só quem teve problemas com cálculo renal consegue descrever isso, pois mesmo sem a crise aguda, ela provoca um desconforto que afeta muito sua vida. Nesse dia me programei para andar muito e avançar o máximo possível. Na saída da cidade peguei algumas dicas que foram importantíssimas para que eu desviasse de Buenos Aires e seguisse por estradas menos movimentadas, diminuindo muito o trajeto. Importante: Precisa-se estar atento a essas rodovias secundárias, pois muitas vezes a manutenção e condições são precárias, podendo nos surpreender com desníveis consideráveis e perigosos na pista. Durante o caminho acabei encontrando esse cemitério de carroças à beira da estrada.
Nesse dia andei muito constante e tentando ficar o mínimo possível parado nos postos de abastecimento, evitando inclusive almoçar. Porém o cansaço também era grande, ainda mais pela retomada e adaptação à viagem, depois de nove dias parado em Comodoro Rivadavia.
No caminho encontro essa moto irmã gêmea argentina.
Já próximo ao Uruguai, quando vejo essa cena de um cachorro indo de carona na moto com óculos de proteção, fico boquiaberto e não hesito em tirar algumas fotos.
O danado ainda fez pose colocando a lingua pra fora
Passo em um mercado em Colón Argentina e acabo ganhando um santinho de proteção do dono do mercado. Atravesso a fronteira para Paysandú no Uruguai e resolvo carregar gasolina extra para entrar a noite viajando e chegar a Tacuarembó no Uruguai, De presente pelos 871 km rodados nesse dia, ganho mais um pôr do sol para jamais ser esquecido.
Durante a viagem à noite levo dois grandes sustos. O primeiro foi ver a luz de um único farol que se aproximava e não saía da minha pista. Começo a diminuir a velocidade e a luz não sai da mesma pista. Ao chegar mais próximo consigo perceber que se tratava de um trator que transitava no mesmo sentido que eu, com um farolete virado para trás. Outro susto foi quando acabou a gasolina. Como já estava previsto peguei o galão com os cinco litros reservas e ao tirar a chave da ignição percebi que desligaria o farol e teria que na escuridão passar a gasolina do galão para o tanque. Com preguiça de pegar a lanterna que estava no fundo da bagagem e no escuro também, acabei fazendo a transferência do combustível no escuro mesmo. Quando ligo a moto novamente e o farol acende, vejo minha perigosa proesa percebendo que derramei muito combustível, praticamente lavando a moto. Fica a lição pela falta de pasciência e por que não dizer, imprudência.
33º DIA - 02/02/09 (Segunda-feira) Tacuarembó (Uruguai) à Canoas/RS (Brasil)Diário 620km - Geral 11.111km
Amanhece o dia com um temporal, mas em seguida o tempo fica aberto e com temperatura agradável. Passo em Rivera para comprar uma máquina fotográfica com as economias que fiz durante a viagem e entro no Brasil pela cidade de Livramento no Rio Grande do Sul. Adentrando pelas estradas do Brasil começam a ficarem nítidas a riquezas desse país. Tanto em detalhes simples como um cafezinho sendo oferecido gratuitamente nos postos de combustível, quanto pela paisagem que chama atenção pelo verde abundante, preenchendo todo o espaço de terra. Durante os pensamentos no caminho entre Livramento e Porto Alegre, acabei refletindo muito sobre tudo que temos em nosso país e os lugares por onde passei na Argentina, Chile e Uruguai. Costumo a brincar dizendo que nessa viagem vi tantas coisas, que a maioria das pessoas levariam uma vida toda para não ver. O verde, amarelo, azul e branco da paisagem do Brasil.
Ao chegar a Canoas na Grande Porto Alegre, meu afilhado Paulo Henrique vem me receber no portão e em seguida todos vão aparecendo, demonstrando um ar de alívio de no final ter dado tudo certo. Não tenho dúvidas que esse jantar foi um dos momentos que jamais esquecerei também.
É muito difícil fazer uma conclusão de uma viagem com essas proporções geográficas e emocionais. Resolvi finalizar essa escrita do relato em 2012 após três anos da viagem desde 2009, percebendo que a cada foto ou anotação que volto a olhar, com o passar dos anos vão ganhando significados diferentes e igualmente marcantes. Então prefiro concluir não de forma definitiva, mas pelo menos com algumas impressões que nesse momento me vem à mente. Na parte técnica fico impressionado até hoje com meu primeiro planejamento e lista de equipamentos para a viagem, que teve pouquíssimas alterações nas listas das viagens seguintes. A primeira viagem foi muito intensa onde consegui ver muita coisa em todos os lugares que decidi passar, não hesitando em parar para contemplar e registrar em fotos ou vídeos. Não fiz muito turismo convencional, passeando pelas ruas e relaxando em alguns lugares, mas fui a lugares que muitos turistas acabam não indo. Penso que um passeio por terra e de moto torna-se muito mais intenso e diferenciado também. Fiquei apenas com a sensação de querer voltar em alguns lugares e ter tempo de sentar na grama, ou as margens de lagos e mar, montar uma barraca e admirar sem pressa o sol nascer ou se pôr, contemplando tudo que a natureza oferece nos lugares tão incríveis por onde passei. É sempre emocionante lembrar-se das pessoas que passaram por nós durante as viagens sem darmos conta que nunca mais iremos revê-las. Ficaram então em nossas lembranças apenas suas imagens, apertos de mão ou palavras de incentivos. Sobre viajar sozinho ou em grupo, avaliando resumidamente: Viajar sozinho é indescritivelmente mais intenso, viajar em grupo é mais seguro.. Viajando sozinho você acaba interagindo muito mais com as pessoas até então desconhecidas. e não hesita em parar ou voltar alguns quilômetros para rever e registrar algo que lhe é atrativo. Porém pelo fato de estar sozinho, acaba sem poder exteriorizar os pensamentos e reflexões percebidos durante esse período muitas vezes longo em uma viagem solo. Por isso costumo a dizer que viajar sozinho é bem mais intenso e psicologicamente muito forte. Viajando em grupo seguimos mais relaxados sem ter que tomar decisões sozinhos, mas também tendo que dividir, impor ou ceder nas frequentes e diárias divergências que possam aparecer. Viajando em grupo também ficamos um pouco menos atentos às paisagens, observando pelo retrovisor ou à frente nossos companheiros para não perdermos o grupo de vista. Percebi que nos momentos de parada, acabamos não interagindo tanto com outras pessoas pelo fato de estarmos em grupo, porém nos momentos em que estamos fora da estrada, acabamos relaxando mais ao conversar com os amigos e deixando de ficar com a mente focada nos objetivos dos próximos dias de viagem por exemplo. Espero ter ajudado, inspirado ou ao menos divertido as pessoas que leram esse relato e agradeço a todos pela oportunidade de compartilhar esses momentos tão significativos vividos durante minha primeira grande viagem.
A guerreira máquina fotográfica que de vez em quando se recusava abrir a lente, mas que registrou todos os momentos dessa linda e intensa aventura.
Exposição projeto "FORTES Ventos" na UNESC - Universidade do Extremo Sul Catarinense
DESPESAS TOTAIS EM 2009: US$ 1.723,50 Combustível: US$ 670,00 em 20 dias rodando = Média diária US$ 33,50 Alimentação: US$ 429,00 em 26 dias de despesas = Média diária US$ 16,50 Hospedagem US$ 623,00 em 26 dias de despesas = Média diária US$ 24,00 MÉDIA DIÁRIA: US$ 66,30 Média diária calculada em 26 dias sem contar os 7 dias hospedado na casa de amigos. Não foram contabilizados os valores gastos em passeios ou entradas em parques.
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